O presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Marcio Pochmann, 62 anos, publicou neste sábado (15.jun.2024) em seu perfil no X (ex-Twitter) uma crítica ao que chama de “receituário neoliberal” que estaria levando o mundo a ter “governantes destruidores da democracia de interesse do povo”. Foi uma contraposição velada a declarações recentes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), que defendeu um amplo corte de gastos públicos nesta semana.
A crítica de Pochmann pode ser lida na íntegra mais abaixo neste texto. O presidente do IBGE não detalha o que considera a definição “receituário neoliberal”, mas, em geral, essa expressão engloba os conceitos de redução dos gastos públicos e uma menor presença do Estado na economia.
Pochmann formou-se em economia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas, de São Paulo) e defende o Estado como indutor do crescimento econômico. Nas últimas semanas, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sido questionado sobre se conseguirá controlar a dívida pública cortando despesas da administração federal. O mercado tem cobrado também uma atitude mais dura sobre responsabilidade fiscal do ministro Fernando Haddad, que acabou dando uma declaração sobre controle de gastos na 5ª feira (13.jun.204):
“Começamos aqui a discutir também, obviamente, 2025, a agenda de gastos, equipe já está montada, o que pedimos foi intensificação dos trabalhos, para que até o final de junho possamos ter clareza do orçamento de 2025, estruturalmente bem montado, para passar tranquilidade sobre o endereçamento das questões fiscais do país, então vamos manter ritmo mais intenso de trabalho neste mês. [O governo está] botando bastante força [para fazer uma] revisão ampla, geral e irrestrita [de despesas para acomodar] as várias pretensões legítimas do Congresso, do Executivo, mas sobretudo para garantir que tenhamos tranquilidade no ano que vem”.
Alas mais à esquerda dentro do PT defendem manter o Estado como principal indutor do crescimento da economia. Esses grupos petistas são contra o discurso de Haddad para acalmar o mercado, mas o ministro teve de responder à pressão durante a semana, que havia levado a cotação dólar a R$ 5,40. Quando Haddad deu a declaração sobre corte de gastos, houve um recuo moderado da moeda norte-americana. Logo em seguida, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) prestou “apoio institucional” ao titular da Fazenda. Esse alinhamento da equipe econômica com o discurso do setor financeiro provoca incômodo em alas mais à esquerda do PT, grupo do qual faz parte o presidente do IBGE.
A crítica Marcio Pochmann é uma amostra das resistências que o governo Lula terá de enfrentar no seu campo político se, de fato, fizer corte de gastos profundos nas despesas públicas. Por enquanto, entretanto, as declarações de Haddad são apenas retóricas e sem efeito prático. É pouco provável que prospere dentro do governo um consenso a favor de alterar os pisos constitucionais obrigatórios para gastos com saúde e educação. Tampouco se cogita neste momento desvincular do salário mínimo a correção de benefícios pagos pela Previdência.
O economista à frente do IBGE não cita Haddad em sua publicação deste sábado, mas o que escreveu tem objetivo de fazer uma contraposição ao discurso pró-ajuste fiscal. “Passado mais de um século, com o fim da Era Inglesa, a crise do liberalismo no Ocidente foi sucedida pelo avanço das forças de extrema-direita fincadas no nazifascismo”, argumenta Pochmann.
Ele complementa: “Desde a década de 1980, o domínio crescente do receituário neoliberal aplainou a segunda onda de globalização capitalista que tem sido acompanhada pelo maior questionamento da democracia diante do descrédito dos governos e da crescente concentração da riqueza, privilégios e poder”. Para Pochmann, isso resulta no “avanço da extrema-direita, com impulso aos governantes destruidores da democracia de interesse do povo”.
Numa outra postagem no X logo depois de criticar o neoliberalismo, Pochmann criticou o nível da taxa de juros básicos, a Selic, que está em 10,5% ao ano –e deve permanecer nesse patamar na próxima reunião do Banco Central para tratar do tema, marcada para 18 e 19 de junho (3ª e 4ª feiras da próxima semana).
“Ainda que a Selic tenha caído nominalmente, ela praticamente acompanhou a queda da inflação que ocorreu mediante a diminuição da taxa nacional de desemprego e a subida da renda média per capita. Neste cenário, dificilmente pode haver superávit fiscal sustentável, tampouco a redução do grau de endividamento público, salvo a destruição do setor público com aprofundamento do subdesenvolvimento e da dependência externa”, escreveu o presidente do IBGE.
ÍNTEGRAS
Eis as íntegras de duas publicações de Pochmann em seu perfil no X (ex-Twitter) neste sábado (15.jun.2024):
“Moinho neoliberal nas águas do neofascismo
“Passado mais de um século, com o fim da Era Inglesa, a crise do liberalismo no Ocidente foi sucedida pelo avanço das forças de extrema-direita fincadas no nazifascismo.
“O destino do mundo estava posto diante esgotamento da primeira onda de globalização capitalista, com a explosão de guerras mundiais.
“Desde a década de 1980, o domínio crescente do receituário neoliberal aplainou a segunda onda de globalização capitalista que tem sido acompanhada pelo maior questionamento da democracia diante do descrédito dos governos e da crescente concentração da riqueza, privilégios e poder.
“O resultado disso tem sido o avanço da extrema-direita, com impulso aos governantes destruidores da democracia de interesse do povo.
“Em resumo, insistir na continuidade do receituário neoliberal joga cada vez mais água no moinho nazifascista remodelado”.
“A taxa básica de juros reais no Brasil segue praticamente intacta.
“Ainda que a Selic tenha caído nominalmente, ela praticamente acompanhou a queda da inflação que ocorreu mediante a diminuição da taxa nacional de desemprego e a subida da renda média per capita.
“Com a prevalência da exorbitante taxa real de juros, as duas faces da mesma moeda seguem reproduzindo os mesmos males sobre a economia nacional.
“De um lado, o exuberante acúmulo dos lucros bancários. Só em 2023, por exemplo, os bancos atingiram novo recorde com R$144 bilhões em lucros.
“De outro, o ralo do orçamento público gerado com o pagamento de juros do endividamento. Nos 12 meses anteriores a abril de 2024, por exemplo, o governo federal transferiu o acumulado de R$776,3 bilhões (7,0% do PIB), enquanto nos 12 meses até abril de 2023, o montante com juros foi de R$659,5 bilhões (6,3% do PIB).
“Neste cenário, dificilmente pode haver superávit fiscal sustentável, tampouco a redução do grau de endividamento público, salvo a destruição do setor público com aprofundamento do subdesenvolvimento e da dependência externa”.