Câmara aprova PL que checa antecedentes para trabalho com crianças

A Câmara dos Deputados aprovou na 3ª feira (20.fev.2024) o PL (projeto de lei) 8035/14, que exige a apresentação de certidão negativa de antecedentes criminais para os profissionais que trabalham com crianças. O texto vai ao Senado. 

O projeto recebeu críticas por ser amplo e poder gerar discriminação, já que impediria também a contratação de pessoas com qualquer tipo de antecedente criminal, como furto e difamação.

O PL é uma das 11 propostas apresentadas pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que funcionou na Câmara dos Deputados entre 2012 e 2014.

O deputado Glauber Braga (Psol-RJ) avaliou que o projeto tem um viés elitista e apontou que a proposta não se atém àquele que cometeu crimes sexuais, mas abrange quem cometeu qualquer tipo de delito. 

“Quer dizer que uma pessoa que cometeu um furto com 18 anos de idade e depois aos 40, 50 anos, [quer] auxiliar, por exemplo, no administrativo de escolinhas de futebol para crianças, não vai poder fazê-lo?”, perguntou o deputado, durante a audiência na Câmara.

A deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), relatora do projeto na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e que recomendou sua aprovação, disse que “eventualmente” alterações em relação aos crimes podem ser feitas no Senado. 

“O importante é que a gente garanta para essa criança que, de maneira nenhuma, um profissional que cometeu crime contra a dignidade sexual exerça esse trabalho”, afirmou.

Constrangimento e discriminação

O ex-secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e ex-presidente do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) Ariel de Castro Alves avaliou que a proposta é ampla e precisa ser melhor redigida, pois pode gerar constrangimentos e discriminações, que são vedados pela Constituição Federal.

“A lei, se aprovada dessa forma, gerará processos judiciais, que podem ser ações de inconstitucionalidade, por contrariar princípios constitucionais, como o da presunção de inocência e da isonomia [todos são iguais perante a lei]. E mandados de segurança por constrangimentos ilegais e abusos de poder de pessoas que forem impedidas de ingressar em trabalhos e funções por não terem certidões negativas de antecedentes criminais”, disse.

O advogado, que é especialista em direitos da infância e juventude, declarou que um projeto de lei ideal, neste tema, deveria exigir certidões de antecedentes criminais  –e não a certidão negativa–, com a finalidade de verificação se os pretendentes aos cargos, empregos ou funções públicas ou privadas já foram condenados por crimes contra crianças e adolescentes, incluindo os crimes sexuais, mas também maus tratos, abandono de incapaz, tortura, homicídios, entre outros.

“A certidão negativa de antecedentes aparece como ‘nada consta’ sobre inquéritos e processos que a pessoa tenha respondido. Mesmo que tenha sido absolvida, acaba não sendo uma certidão negativa, já que vai constar que respondeu. Quem ainda estiver respondendo processo, pelo texto da lei, que exige ‘certidão negativa’, poderia ser impedida do ingresso no emprego”, afirmou.

Para Alves, a justificativa do projeto de lei, de evitar que acusados processados ou condenados por crimes sexuais atendam crianças e adolescentes, não está de acordo com o que foi aprovado.

“[O PL] acaba sendo extremamente genérico, impedindo que quem já foi processado ou condenado por qualquer crime, que pode ser furto, apropriação indébita, estelionato, calúnia, injúria, difamação, entre outros, e não apenas crimes sexuais, atuem com crianças e adolescentes.”

“Entendo que se a pessoa foi condenada por crime contra crianças e adolescentes, depois do trânsito em julgado, quando não cabem mais recursos, por incompatibilidade, não deve exercer empregos, cargos e funções relacionadas ao atendimento de crianças e adolescentes”, finalizou o advogado.

Consequências em escolas

O presidente do Sieeesp (Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo), José Antonio Antiório, disse ser favorável ao PL e à apresentação da certidão de antecedentes criminais, mas que precisaria observar a tipificação do crime cometido.

“Senão você pode impedir uma grande parte da população. Por exemplo, se eu tenho uma empresa e cometo uma falha administrativa e financeira posso cumprir pena pela lei de detenção. Isso não é um crime que avilta o trabalho de uma pessoa dentro de uma escola”, disse.

“Agora, se for um crime de furto, de roubo, de assassinato, enfim, eu acho que você tem que realmente manter o atestado de antecedente e não permitir ninguém dentro do estabelecimento de ensino com essas performances”, afirmou.

A Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino) avaliou que, não apenas o projeto de lei, mas a Lei 14.811/2024, ambos relacionados à exigência de certidão de antecedentes criminais nas escolas, são inconstitucionais e discriminatórios, além de terem potencial ideológico.

A entidade destacou que a Lei 14.811, de 12 de janeiro de 2024, acrescentou ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) determinação para que estabelecimentos de ensino públicos e privados mantenham fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizados de todos os seus empregados.

O coordenador geral da Contee, Gilson Reis, declarou que tais medidas podem levar à criminalização dos trabalhadores, em um contexto em que a educação tem sido atacada pelo conservadorismo.

“O escopo dos crimes é infinito. São vários tipos de crimes que poderão ser colocados à disposição de pessoas de má índole ou pessoas que querem atacar a educação, para poderem inviabilizar profissionais de educação. A lei deixa um processo muito aberto, sem que a gente possa definir com clareza o que é o interesse ou a intenção por trás dessa lei”, disse.

Ele afirmou que, hoje, 80% dos crimes sexuais ocorrem no interior da família, não na escola. “O professor e a professora são um fator de denúncia, de proteção da criança, de chamar atenção dos conselhos tutelares, de [garantir] a própria Constituição. Estão tentando atacar aqueles que são, na prática, o anteparo contra os vários crimes cometidos contra a infância e a juventude do nosso país.”

presunção de inocência

Para o advogado José Geraldo de Santana Oliveira, consultor jurídico da Contee, tanto a lei quanto o PL estão em desacordo com a presunção de inocência, assegurada pelo artigo 5º, inciso 57, da Constituição Federal, que diz que ninguém é considerado culpado senão mediante sentença penal condenatória transitada em julgado. “Essas certidões terão muito mais um caráter ideológico, um caráter de, eu diria, fuzilamento moral, do que propriamente o resultado prático”, disse.

Ele acrescentou que uma certidão de antecedentes criminais positiva não significa que o caso já tenha passado em todas as instâncias da Justiça. “Se ele [trabalhador] foi condenado e pagou a pena, [o PL] fere a garantia do princípio do ‘non bis in idem’. Quer dizer, ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato. E, se não foi [condenado], se não há sentença que passou em julgado, quer dizer que não cabe mais recurso, fere a presunção de inocência. Veja o tamanho do imbróglio”, declarou.


Com informações da Agência Brasil.

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