Os fundos de pensão Petros, da Petrobras, e Funcef, da Caixa Econômica Federal, registraram em seus relatórios anuais de 2017 lucro durante o período em que investiram no fundo FIP Florestal –instrumento pelo qual investiam em ações da Eldorado Brasil Celulose. Essa empresa é controlada pelo grupo J&F Investimentos.
No relatório anual da Petros de 2017, destaca-se o “desinvestimento [venda de ações] no FIP Florestal, que possibilitou auferir rentabilidade de aproximadamente 160% desde o início do investimento, em 2009, em linha com a meta atuarial do período (159,54%) e o triplo do resultado do Ibovespa, referencial para a renda variável”.
A Funcef afirma, também em 2017, ter recebido R$ 665,7 milhões pela venda de sua participação em ações de 8,52% na Eldorado Celulose. O valor equivale “a um retorno nominal de 12,49% ao ano, superando a meta atuarial”, diz o relatório.
As informações divulgadas nos relatórios da Petros (íntegra – 1 MB) e da Funcef (íntegra – 23 MB) à época contradizem a afirmação dos 2 fundos de pensão ao Supremo Tribunal Federal de que tiveram prejuízos durante o período de investimento com a J&F, de 2009 a 2017.
O argumento dessa suposta perda embasou recursos protocolados no Supremo Tribunal Federal pela Petros na 2ª feira (4.mar.2024) (íntegra – PFF – 488 kB) e pela Funcef (íntegra – PDF – 5 MB) em 21 de fevereiro.
Nos recursos o STF é questionado sobre suspender de maneira provisória o pagamento integral da multa de R$ 10,3 bilhões referente ao acordo de leniência da J&F, firmado em 2017 com o Ministério Público (íntegra – 2MB). Na realidade (leia ao final deste post), o valor da multa neste momento já foi reduzido para R$ 3,5 bilhões.
No recurso de 22 páginas protocolado no STF, os advogados da Petros afirmam que a anulação do acordo de leniência firmado entre o Ministério Público e a J&F representa “gravíssimo desrespeito” aos direitos do fundo de pensão. Sustentam ainda que o fundo de pensão teria sido uma das “vítimas dos ilícitos” e que, portanto, precisa ser ressarcido pelos danos causados aos planos de benefícios por ela geridos.
“Tendo em vista que o seu envolvimento com o acordo de leniência em discussão decorre, justamente, da etapa de capitalização, uma vez que a Requerente (J&F) captou ilicitamente recursos dos planos de benefícios por meio do fundo de investimentos FIP Florestal, é fácil perceber que o não pagamento das parcelas devidas a título de reparação possui o condão de desencadear grave comprometimento da sua higidez financeira (solvência) e do equilíbrio atuarial”, afirma a Petros no documento entregue ao STF. A petição não menciona os resultados positivos do fundo de pensão quando decidiu encerrar seus investimentos no FIP Florestal e deixar de ter ações da Eldorado Celulose.
Em um recurso mais extenso e de 54 páginas, a Funcef também afirma ter sido uma das “vítimas diretamente prejudicadas” pela atuação “ilícita” da J&F ao aportar valores no FIP Florestal e no Fundo de Investimento em Participação Multiestratégia PROT (“FIP PROT”), alvos de investigação pela Operação Greenfield:
“Como é de conhecimento público e notório, a Funcef, assim como outros fundos de pensão do país, foi vítima de irregularidades e fraudes constatadas em diversos investimentos distintos e que resultaram em prejuízos bilionários às entidades, sendo dois deles o FIP Florestal e o FIP PROT (Operação Greenfield)”.
Também no caso da Funcef, assim como no da Petros, a petição ao STF não menciona que o fundo de pensão dos funcionários da CEF teve lucro maior do que o esperado com o investimento em ações da Eldorado Celulose até 2017, quando parou de investir nessa empresa.
Os 2 fundos de pensão apenas se fiaram no acordo de leniência e deram como certa a receita dos pagamentos que receberiam de parte da multa que a J&F teria de pagar. Como agora acordos de várias operações como a Greenfield e Lava Jato estão sendo revistos, Petros e Funcef acham que foram prejudicadas –mesmo que enquanto tivessem ações da Eldorado o resultado tenha sido lucrativo.
“A ora requerente vem arduamente tentando equacionar seus planos, inclusive exigindo de seus participantes, assistidos e patrocinadora, significativas contribuições extraordinárias, de forma a manter o equilíbrio atuarial e garantir que haja recursos para o pagamento dos benefícios”, sustenta a Funcef.
“Em um cenário como este, de busca pelo reequilíbrio atuarial, é evidente que toda e qualquer receita devida que deixe de ser transferida à Funcef pode ser crucial para o colapso definitivo do fundo de pensão, em prejuízo aos seus mais de 140.000 (cento e quarenta mil) participantes, assistidos e pensionistas que poderão perder os seus benefícios”, afirma a petição da Funcef.
Há alguns anos já estava claro que empresas que fizeram acordos de leniência poderiam pedir revisão à Justiça, reduzindo os valores que estavam comprometidas a pagar. Fundos de pensão que receberiam parte desses valores deveriam ter considerado esses riscos em seus cálculos atuariais –assim como todo investimento em renda variável não deve ser dado com receita certa e segura.
A J&F nega qualquer dano aos 2 investidores e diz que todas as operações com a Funcef e a Petros retornaram para o caixa de ambas com lucro, em 2017.
A Petros vendeu seu investimento no FIP Florestal para a empresa indonésia Paper Excellence em dezembro de 2017, afirmando ser parte de uma política mais ampla de desinvestimentos “para proporcionar flexibilidade à gestão da Fundação”. A Funcef também vendeu em dezembro de 2017 sua parte do fundo para a mesma companhia. Após a venda, os 2 fundos de pensão ficaram sem nenhuma participação, direta ou indireta, na Eldorado.
ENTENDA O CASO
Em 2009, a Funcef e a Petros aportaram R$ 272 milhões cada uma e tornaram-se acionistas indiretas da Eldorado Brasil Celulose, que tinha como principal controladora a J&F. Eram investidoras indiretas porque adquiriram os papéis por meio do fundo FIP Florestal.
Em 6 de setembro de 2016, foi deflagrada a operação Greenfield, que à época acusava 29 gestores de fundos, entre eles Petros (Petrobras), Funcef (Caixa) e Previ (Banco do Brasil) por supostas fraudes e gestão temerária dos recursos dos pensionistas.
Em junho de 2017, foi firmado o acordo de leniência da J&F com o Ministério Público como consequência da operação Greenfield. Foi então determinado que a Funcef e a Petros receberiam da J&F R$ 1,75 bilhão cada uma ao longo de 25 anos, com correção monetária. A Petros diz ter recebido R$ 133 milhões. A Funcef, R$ 132 milhões.
O acordo e a multa seriam uma consequência de danos causados aos fundos de pensão e à administração pública, imputados à época a executivos do grupo J&F por parte da Procuradoria Geral da República.
Em dezembro de 2017, as participações da Funcef e da Petros na Eldorado foram vendidas para a empresa indonésia Paper Excellence, como parte do processo de venda da Eldorado Celulose. Esse processo hoje é objeto de disputa judicial entre J&F e Paper Excellence. Cada fundo de pensão vendeu seus papéis por R$ 666 milhões, mesmo valor por ação recebido da Paper pela J&F.
A operação Greenfield foi encerrada em janeiro de 2021 pelo então procurador-geral da República, Augusto Aras. Durante a Greenfield, houve 83 ações contra 29 empresas e 176 pessoas físicas. Foram 2 acordos de leniência: com a J&F e com o grupo J. Malucelli.
IDAS E VINDAS DA MULTA DA J&F
O ministro do Supremo Dias Toffoli suspendeu em 19 de dezembro de 2023 os pagamentos da multa integral de R$ 10,3 bilhões de um acordo de leniência firmado entre J&F e o Ministério Público em 2017.
Após uma sucessão de decisões que ora concediam, ora suspendiam descontos na multa, o valor hoje é de R$ 3,5 bilhões. Leia quais foram as mudanças no valor do pagamento determinado à J&F desde 2023:
- ago.2023 – MPF reduz valor da multa da J&F de R$ 10,3 bilhões para R$ 3,5 bilhões (em sigilo);
- ago.2023 – 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF confirma redução e divulga nota (PDF da íntegra – 1 MB);
- set.2023 – Conselho Institucional do MPF derruba desconto (em sigilo);
- set.2023 – Corregedor nacional do MPF suspende decisão de Conselho (em sigilo);
- dez.2023 – Toffoli suspende pagamento de multa da J&F (PDF da íntegra – 385 kB);
- fev.2024 – PGR recorre da decisão de Toffoli (PDF da íntegra – 290 kB).
Dias Toffoli entendeu haver “dúvida razoável” sobre a voluntariedade da holding J&F em firmar o acordo de leniência com o MP. Em suma, seria incerto se a empresa teve condições justas ou se foi forçada a firmar o tratado com o Ministério Público.
Na ausência de voluntariedade, seria violado o princípio dos acordos de leniência, de “romper com o envolvimento com a prática ilícita e adotar medidas para manter suas atividades de forma ética e sustentável”, segundo definição do MPF (Ministério Público Federal).