Apple traz gravação e transcrição de chamadas para iPhones

*Por Joshua Benton

A palavra que você está procurando é “sherlocked” (entenda mais abaixo).

Em novembro de 2001, um desenvolvedor da Macintosh chamado Dan Wood lançou um aplicativo chamado Watson, que deveria complementar o Sherlock, uma ferramenta de busca que a Apple então distribuía com os Macs. (Entendeu? Sherlock e Watson?) O Watson permitia realizar várias buscas frequentes na web –verificar o tempo, o preço de ações, encontrar receitas ou pesquisar na Amazon– sem a necessidade de abrir um navegador. Custava US$ 29 e era bastante popular. A Apple até lhe concedeu um dos seus prestigiados Apple Design Awards de “Aplicativo Mais Inovador para Mac OS X”.

Avance para julho de 2002, quando a Apple revelou as novas atualizações do seu sistema operacional. Dentre elas estava uma nova versão do Sherlock –que parecia incluir todas as funcionalidades do Watson. Em um único anúncio, a Apple eliminou o mercado do Watson, o sustento de Dan Wood. Seguiu-se uma grande comoção, mas a Apple não deu muita atenção. As vendas do Watson secaram e logo Wood estava vendendo sua propriedade intelectual e fechando o aplicativo.

Assim, o Watson foi o 1º aplicativo a ser “sherlocked”, termo que significa “tornar obsoleta uma funcionalidade única em software de terceiros ao introduzir uma funcionalidade semelhante ou idêntica no sistema operacional ou em um programa/aplicativo próprio”.

Claro, a Apple daquela época não era a gigante que é hoje. Em 2002, a Apple valia cerca de US$ 4 bilhões e tinha apenas 3% do mercado de PCs; em 2024, a Apple vale cerca de US$ 3 trilhões e, dependendo do dia, é a empresa mais valiosa do mundo. Então, qualquer “sherlocking” hoje se dá em uma escala muito maior.

Na sua Conferência Mundial de Desenvolvedores na 2ª feira (10.jun.2024), a Apple apresentou centenas de novas funcionalidades, grandes e pequenas, mas uma –uma única frase, pronunciada 1 hora e 36 minutos depois do início da apresentação– chamou a atenção de jornalistas e desenvolvedores com medo de serem “sherlocked”.

“Gravações, transcrições e resumos com Inteligência Apple também estarão disponíveis no aplicativo Telefone.”

Isso mesmo: em breve você poderá usar seu iPhone para gravar entrevistas por telefone. E depois de desligar, seu telefone transcreverá essas gravações para você. É um processo que antes consumia, conservadoramente, 172% do tempo dos jornalistas e que ainda hoje requer aplicativos de terceiros, a maioria com assinatura.

Pessoalmente, eu usava o TapeACall para a gravação e nunca me decepcionou –mas há 2 meses, os novos proprietários aumentaram o preço da assinatura anual de US$ 19 para US$ 79. Para a transcrição, eu usava o Otter (US$ 100 por ano para uso mais frequente) e o MacWhisper (gratuito para uso básico, 30 euros para compra única para maior qualidade, mas lento). Mas se a Apple vai fazer o trabalho de graça… eles vão ser “sherlocked”.

Claro, a versão da Apple pode ser inferior de várias maneiras. Não será oficialmente lançada antes do iOS 18, em setembro, no mínimo, e como usa a Apple Intelligence, cujo lançamento é um pouco mais incerto, pode demorar mais do que isso (há uma versão beta do iOS 18, mas aparentemente o recurso de gravação de chamadas não está nela). A transcrição, pelo menos, será provavelmente limitada aos iPhones mais recentes e potentes. A Apple também anunciará “esta chamada está sendo gravada” para ambas as partes –algo que é um requisito legal em alguns Estados, mas pode ser um incômodo em outros. E uma nota de rodapé no site da Apple indica algumas limitações de idioma e geográficas:

“A transcrição estará disponível em inglês (EUA, Reino Unido, Austrália, Canadá, Índia, Irlanda, Nova Zelândia, Singapura), espanhol (EUA, México, Espanha), francês (França), alemão (Alemanha), japonês (Japão), mandarim (China continental, Taiwan), cantonês (China continental, Hong Kong) e português (Brasil)”.

Ainda assim, isso não impediu os jornalistas de comemorar a notícia.


Joshua Benton fundou o Nieman Lab em 2008 e foi seu diretor até 2020; atualmente, ele é o principal escritor do Lab. Antes de passar 1 ano em Harvard como Bolsista Nieman em 2008, ele passou uma década trabalhando em jornais, principalmente no The Dallas Morning News.


Texto traduzido por Fernanda Fonseca. Leia o original em inglês.


O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos do Nieman Journalism Lab e do Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.

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