A decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que obriga a siderúrgica de controle italiano Ternium a pagar indenização de R$ 5 bilhões à CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), referente à aquisição de participação na Usiminas em janeiro de 2012, traz insegurança jurídica para o mercado. É o avaliam especialistas na área consultados pelo Poder360, que temem incertezas em novos processos de compras de ações de outras companhias.
Depois da Ternium vencer a causa em outras instâncias da Justiça e ter pareceres favoráveis na CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a 3ª turma do STJ deu provimento na 3ª feira (18.jun.2024) a um embargo de declaração (tipo de recurso) da CSN. A companhia alega que houve mudança no controle acionário da Usiminas depois da compra pela Ternium das ações da Votorantim e da Camargo Corrêa, finalizada em 2012.
A reviravolta no julgamento levantou dúvidas quanto à possibilidade de repercussão do entendimento em outros casos. Especialistas em direito empresarial avaliam que a decisão pode, inclusive, prejudicar negócios que já estão no radar, como o processo de privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo).
Isso porque o novo entendimento do STJ no caso Ternium x CSN foi de que a compradora de ações do bloco controlador de uma empresa precisa fazer a chamada OPA (Operação de Oferta de Aquisição) para acionistas minoritários da companhia, mesmo que não compre individualmente o controle acionário da empresa
A decisão do colegiado leva em conta o direito de tag along, existente na Lei das S/A (lei 6.404 de 1976), que protege os acionistas minoritários de uma empresa. Basicamente, a legislação diz que quando o controle acionário de uma empresa é vendido, direta ou indiretamente, os minoritários têm direito de deixar a sociedade que terá o novo controlador, e também deverá receber do proponente uma oferta de compra pela sua fatia.
A Ternium, depois da aquisição, ficou com cerca de 28% das ações da Usiminas. Ainda ficou com menos ações que a japonesa Nippon. Embora não tivesse o controle acionário sozinho, passou a integrar um bloco de controle da siderúrgica mineira, fixado por um acordo de acionistas. O bloco é formado por Ternium, Nippon e Caixa dos Empregados da Usiminas.
A CSN, que era minoritária, não recebeu uma oferta da Ternium pela sua fatia. O argumento dela era de que mesmo sem ter o controle sozinho, ela controla indiretamente a companhia através do bloco com a Nippon e o fundo dos empregados. A CVM refutou que a companhia tenha comprado o controle. Então, a CSN foi à Justiça.
Segundo o advogado Lucca Mendes, o entendimento do colegiado ao dar razão à CSN aumenta a complexidade e os riscos associados a operações que modifiquem a estruturação de negócios no Brasil.
“A ampliação do escopo de proteção aos minoritários introduz um elemento de insegurança jurídica que pode afetar negativamente o apetite dos investidores. Seu impacto já vem sendo discutido em negociações que já estavam em curso, incluindo o risco de judicialização de operações em negociação, como a privatização da Sabesp”, afirma.
A desestatização da companhia de saneamento paulista já passou pelos trâmites políticos. No início de maio, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou o PL (projeto de lei) 163 de 2024 que possibilitou a privatização. Também foi sancionado pelo prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB). Os demais municípios do Estado de São Paulo também aprovaram o novo contrato de concessão da Sabesp.
O governo de São Paulo detém, hoje, 50,3% das ações da Sabesp. A intenção é ficar com 18,3%, deixando de ser a acionista majoritário e, portanto, o controlador da companhia. Os planos também incluem a entrada de um acionista de referência que ficaria com 15% das ações.
O temor, neste caso, é que investidores potenciais para comprar o controle da Sabesp vejam o negócio com receio por ter que comprar também as ações dos minoritários ou indenizá-los no futuro.
A própria Ternium tem usado o argumento de que a decisão do STJ pode desencadear insegurança jurídica. Depois da derrota, a empresa pagou anúncios em páginas inteiras de jornais impressos para publicar um comunicado afirmando sua insatisfação com o resultado do litígio e abordando os riscos que a determinação do tribunal poderia ter para futuras operações do gênero.
“Ao ir contra a jurisprudência firmada e consolidada pela CVM e por várias instâncias judiciais ao longo de 12 anos, inclusive a decisão de mérito do próprio STJ, o julgamento traz insegurança jurídica para o mercado de capitais brasileiro e coloca em risco operações de fusão e aquisição nas quais haja alienação de partes de grupos de controle”, afirmou a companhia na nota.
Para o advogado empresarial Marcelo Albuquerque, ao observar o caso pelo prisma do posicionamento da CVM, ela de fato suscita dúvidas quanto à possível judicialização de futuras operações.
“A CVM não só aprovou [a operação da Ternium] como, quando fez a aprovação, ela fez uma análise se houve ou não a alteração do controle. E se ela aprovou, ela entendeu que não teve alteração, mas o STJ acabou entendendo diferentemente”, diz.
No entanto, ele afirma que, a partir da análise do caso no STJ, que é considerado um eading case sobre o assunto, mostra que o direito brasileiro “respeitará o direito dos acionistas minoritários”.
“A questão que fica é se houve ou não a alteração de controle. Para 3 ministros, houve”, diz.
O advogado Arnaldo Mantoan vê a situação com mais ressalva. Afirma que as especificidades do processo não fazem com que sua repercussão afete em larga escala outras operações de aquisição. Segundo ele, como a decisão veio do STJ, poderá ser usada como referência em outras instâncias, mas não há obrigação de que outros juízes interpretem da mesma maneira por não ter caráter vinculante.
Contudo, Mantoan também afirma que o risco de judicialização está presente em qualquer caso, inclusive no que se refere à Sabesp. “A gente está falando do Brasil. Seria até ingênuo a gente achar que a judicialização e o ‘custo Brasil’ já não esteja precificado nas operações dessa magnitude, seja do lado societário, seja do lado da privatização”, afirma.
ENTENDA O JULGAMENTO
A 3ª Turma do STJ analisou, na última 3ª feira (18.jun), um embargo de declaração da CSN que questionava decisão do próprio tribunal, de 2023. Na época, em análise do mérito, ficou entendido que o grupo Ternium não tinha adquirido o controle da Usiminas e não tinha a obrigação de fazer a OPA.
O recurso foi aceito por 3 a 2, e a decisão anterior ficou suspensa. Ficou entendido que a transferência de controle acionário fazia com que se aplicasse a determinação prevista no artigo 254-A da Lei das S/A, que trata justamente sobre a obrigação de um comprador fazer a oferta pública da aquisição das ações.
A CSN diz que a compra das ações da Votorantim e da Camargo Corrêa pela Ternium na Usiminas, anunciada em 2011 e finalizada em 2012, acarretou na venda do controle da empresa, o que deveria ter resultado em uma oferta pública de aquisição para as ações dos sócios minoritários.
Já a Ternium nega que este seja o caso, já que, mesmo com a aquisição à época de uma fatia de 27,7% das ações, não detinha mais de 50% delas e, portanto, não seria a acionista majoritária da Usiminas. A empresa afirma que não houve a alegada mudança de controle na Usiminas e que a decisão do STJ “impacta o mercado de capitais”.
O voto de desempate no julgamento que obriga o pagamento de indenização de R$ 5 bilhões à CSN foi do ministro Antonio Carlos Ferreira, que considerou ter havido a mudança no controle da empresa depois da compra das ações pela Ternium.
Ele divergiu dos ministros Ricardo Cueva e Nancy Andrighi, que já haviam votado no sentido de que o caso voltasse à 1ª instância para produção de novas provas. Os ministros Humberto Martins e Moura Ribeiro já haviam votado a favor da CSN.
No voto (íntegra – PDF – 196 kB) de Moura Ribeiro, que saiu vencedor, ele afirma:
“Tendo o Grupo Ternium ingressado no bloco de controle em substituição do grupo Votorantim/Camargo Corrêa, com poder de decisão sobre assuntos relevantes, relativas a matérias tidas como estratégicas para a gestão da Usiminas e, inclusive, com a estipulação da necessidade de consenso entre o Grupo Nippon e o Grupo Ternium para a indicação do diretor presidente da Usiminas, mantenho o entendimento de que houve a alienação do controle da Usiminas”.
Em 2023, ao julgar o mérito do caso, o STJ rejeitou o recurso da CSN por maioria de votos. Contudo, entre o julgamento do mérito e análise dos embargos de declaração, a composição do colegiado responsável pelo processo foi alterada. Paulo de Tarso Sanseverino morreu e Marco Aurélio Bellizze se declarou impedido para julgar.
O QUE DIZEM AS EMPRESAS
Com a derrota no tribunal, a Ternium declarou que recorrerá da decisão, e que sua posição se baseia em decisões anteriores da CVM e de outras instâncias judiciais.
Em comunicado divulgado depois do julgamento, a empresa lista as decisões favoráveis à outras companhias ao longo dos anos. Cita que em 2013, o tribunal de 1ª instância julgou improcedente a ação da CSN e, em 2017, o tribunal de recurso confirmou a decisão do tribunal de 1ª Instância. Eis a íntegra do posicionamento (PDF – 87 kB).
“A empresa continua acreditando que todas as reivindicações e alegações da CSN são infundadas e sem mérito, conforme confirmado por vários pareceres de consultores jurídicos brasileiros, duas decisões emitidas pelo regulador de valores mobiliários brasileiro em fevereiro de 2012 e dezembro de 2016, as decisões do tribunal de primeira e segunda instância e a decisão do STJ de 7 de março de 2023 acima referida. A empresa considera ainda que a decisão do STJ sobre o pedido de esclarecimento da CSN é contrária ao direito substantivo e processual aplicável”, afirmou.
Já a CSN, também em nota oficial, afirmou que a Ternium “nega ter assumido o controle da Usiminas para evitar cumprir a obrigação legal de pagar os acionistas minoritários”. Ainda, diz que “não é verdade que houve desrespeito à jurisprudência da Comissão de Valores Mobiliários, embora esta deva respeitar a jurisprudência dos Tribunais brasileiros, e não o inverso”. Leia a íntegra da nota (PDF – 117 kB).
“A Ternium usa subterfúgios políticos e midiáticos para constranger juízes e o sistema judiciário brasileiro, esquecendo-se de que o direito é o único elemento que realmente influencia e convence. A CSN espera que a Ternium reveja sua disposição de descumprir a lei e de desrespeitar publicamente as autoridades brasileiras”, diz a nota da CSN.