O STF abriu na última 6ª feira (14.jun.2024) um processo de licitação a fim de contratar uma empresa para realizar rastreamento de menções à Corte e aos ministros nas redes sociais sob a justificativa de “mostrar a evolução da imagem” do Supremo Tribunal Federal. Dentre os serviços a serem prestados por um custo máximo de R$ 344 mil está a identificação de “fontes detratoras” na web. No entanto, não está claro qual será o critério de classificação dos materiais coletados.
“O acompanhamento deverá mostrar a evolução da imagem do STF, além de indicar os assuntos mais relevantes abordados pelos usuários […], identificação das principais fontes influenciadoras e detratoras e sugestão de aprimoramento da comunicação com esses públicos”, diz o edital. Leia a íntegra do documento (PDF – 575 kB)
O Poder360 procurou o Supremo Tribunal Federal para perguntar:
- o que são “fontes detratoras” e “influenciadoras”;
- quem vai definir se uma fonte é detratora ou influenciadora;
- de que forma será feita a varredura nas redes e quais termos serão buscados;
- além das redes sociais, quais blogs serão monitorados;
- quais critérios serão usados para definir se os posts avaliados são positivos, negativos ou neutros.
Não houve resposta até a publicação desta reportagem. Caso uma manifestação seja enviada, o texto será atualizado.
Também não está claro por que haveria a necessidade e urgência de um monitoramento em tempo real “24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias no ano” com envio de alertas por mensagens instantâneas e relatórios diários apenas para “mostrar a evolução da imagem do STF”.
Para o advogado especialista em direito do Estado Caio Morau, não cabe ao Supremo o monitoramento de influências ou críticas. Ele afirma também que a expressão “fontes detratoras” parece ter mais relação com o usuário do que com o conteúdo publicado.
“As fontes que chamam de ‘influenciadoras’ seriam apenas aquelas elogiosas, que exaltam o trabalho e as decisões da Corte? Uma fonte que apresente críticas razoáveis seria necessariamente catalogada como ‘detratora’?”, questiona.
O STF afirma que o serviço seria uma “clipagem” (termo usado para a seleção de menções a determinada empresa, pessoa ou órgão na mídia) do conteúdo público das redes, uma vez que se tornou “inviável” o acompanhamento manual diante da quantidade de menções registradas diariamente sobre o Tribunal.
Segundo o advogado constitucionalista e articulista do Poder360, André Marsiglia, “clipagem não identifica detratores, apenas monitora temas e assuntos. A identificação, por geolocalização [leia abaixo], inclusive, [..] sugere fortemente não se tratar de simples clipagem, mas de uma tentativa de controlar críticos da Corte”.
Outro ponto controverso é a identificação com georreferenciamento da origem das postagens, ou seja, a Corte quer saber onde estão os usuários responsáveis pelos posts avaliados. O Supremo justifica o pedido afirmando que pretende entender em quais áreas seria preciso focar a divulgação dos tais conteúdos educativos a respeito da Corte.
“Com isso, é possível elaborar estratégias regionalizadas, por exemplo, junto à imprensa local de uma determinada região, ou ativar uma universidade local para trabalhar iniciativas pontuais de esclarecimento e educação”, informou o Supremo.
POSITIVO OU NEGATIVO
O Supremo também quer que a empresa contratada classifique as menções que encontrar nas redes sociais como positivas, negativas ou neutras. No entanto, o edital não explica de que forma isso será feito. O objetivo, segundo a Corte, seria identificar os temas abordados e ter maior clareza sobre os assuntos colocados no debate público. A partir disso, seriam criados conteúdos explicativos ou informativos sobre a atuação do Tribunal.
Morau reforça que não é o papel institucional do STF realizar esse tipo de aferição: “O Supremo tem que ter uma altivez que permita aos ministros decidir independente da opinião pública”.
“Não cabe à Suprema Corte nenhuma espécie de protagonismo, quanto mais para aferir a temperatura da opinião pública a respeito de suas decisões. O fato de recorrer a esse termômetro, aliás, enfraquece a independência do Supremo”, afirma o advogado.
Marsiglia afirma que é comum órgãos públicos fazerem clipagem (o Senado faz ao custo de R$ 17,9 milhões por ano) e medirem a aprovação de políticos. No entanto, diz que no caso de juízes, que “não vivem de sua imagem e não devem se importar com o que pensam deles”, o serviço “não faz sentido”.
Para o advogado, seria preciso impugnar o edital. De que forma isso poderia ser feito, de acordo com Marsiglia: a PGR (Procuradoria Geral da República) ou o Legislativo teriam que propor um mandado de segurança contra o ato administrativo que determinou a licitação.
EDITAL DO STF
O edital do STF está aberto e encontra-se na fase de seleção de fornecedores. O serviço foi solicitado pela Coordenadoria de Multimeios do Tribunal.
Dentre os serviços solicitados pelo edital, estão o monitoramento on-line de menções ao STF e de “temas de interesse” em redes sociais, com a entrega de alertas em tempo real (por mensagem instantânea), relatório diário, semanal e mensal, com análise quantitativa e qualitativa dos dados.
O acompanhamento deverá ser feito no Facebook, X (ex-Twitter), YouTube, Instagram, Flickr, TikTok, Linkedin e “blogs” não especificados.