O presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, declarou nesta 6ª feira (28.jun.2024) que “tentar impulsionar crescimento através de intervenção do governo” e “com investimento público” pode fazer com que um país entre em um ciclo vicioso que leva à ineficiência. A declaração foi feita durante sua fala no painel “Integração global e blocos econômicos”, parte do 12º Fórum de Lisboa, o “Gilmarpalooza”.
Ao deixar o auditório, disse a jornalistas que suas colocações não eram sobre o Brasil, mas uma análise geral. Segundo Campos Neto, governos e Bancos Centrais “precisam deixar claro que os mercados têm de operar de forma mais livre”. Ele afirmou que “o problema” de quando o “setor público está muito grande no mercado” é “tirar a informação do preço”.
“Às vezes, para tentar promover o crescimento, o governo cai na tentação de ampliar a atuação e começa a decidir muito mais sobre recursos importantes, começa a fazer a alocação de recursos em empresas privadas”, disse Campos Neto. Nesse caso, segundo ele, há “sempre” um problema: a pressão política. Essa pressão, declarou o presidente do BC, pode fazer com que um país não atinja a “eficiência máxima”.
O cenário pós-pandemia, conforme o presidente do BC, trouxe novos desafios, com novas relações estruturais na economia. Ele falou da percepção de como a inflação está interagindo com o fiscal. “Em alguns momentos, quando os governos entendem que a inflação um pouquinho maior pode ser um pouco melhor porque dá uma certa folga no fiscal, porque a arrecadação é nominal, você tem um risco de entrar em um ciclo vicioso”, disse.
“Esse ciclo vicioso se deu em alguns países da seguinte forma. Você tem a inflação maior, que gera desigualdade maior”, continuou. “O governo, para contra-atacar isso, faz mais programas sociais. E, aí, você entra nessa espiral de mais programas sociais, mais gastos, mais inflação”, acrescentou. “Tem a percepção de que a inflação abre espaço fiscal até o momento em que você começa a ter um problema de não mais conseguir girar essa roda”, declarou.
Ao falar sobre juros, Campos Neto afirmou que uma taxa alta tem “efeito de trazer a dívida” dos países “para o curto prazo”. Ele disse: “Ao mesmo tempo, os juros altos têm uma forte correlação com o investimento, principalmente os juros longos. O que acontece é que o investimento cai”.
E acrescentou: “O governo acaba tentando buscar investimentos com juros subsidiados”. Essa situação, afirmou o presidente do BC, faz com que o país entre no ciclo vicioso de dívida versus crescimento.
Na sequência, Campos Neto falou da relação dívida e impostos. “A gente tem um cenário de dívida alta, os custos da dívida são elevados. Muitas vezes, a solução encontrada é você fazer ajuste pelo lado da receita”, disse, acrescentando que em alguns países, entre eles o Brasil, há um sistema “engessado” de corte de gastos.
“Quando você faz esse ajuste 100% pelo lado da receita, você acaba quebrando relações na parte tributária”, declarou. Conforme o presidente do BC, isso pode causar insegurança jurídica.
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“GILMARPALOOZA”
O 12º Fórum de Lisboa, promovido por Gilmar em Portugal, é uma tradição e foi batizado de “Gilmarpalooza” –junção dos nomes do decano e do festival de música Lollapalooza originado em Chicago (EUA) e cuja versão brasileira é realizada todos os anos em São Paulo com uma multitude de bandas de muitos lugares.
Anfitrião do evento lisboeta, Gilmar convidou todos os ministros do STF –que se dividiram:
- 5 recusaram – André Mendonça, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Nunes Marques;
- 5 aceitaram – Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Flávio Dino e o presidente da Corte, Roberto Barroso.
A programação inicial contava com todos os ministros do STF. O documento oficial com todos os painéis do fórum e seus participantes havia sido publicado pelo Poder360 em 13 de junho. Depois da publicação, os organizadores do evento procuraram este jornal digital e disseram que se tratava de lista ainda preliminar e passível de alterações –embora não houvesse nenhuma ressalva no arquivo a respeito dessa possibilidade.
A seguir, os números atualizados do “Gilmarpalooza” –entre parênteses, o número de autoridades de cada esfera do poder que constavam na programação inicial:
- 5 ministros do STF (eram 10);
- 12 ministros do STJ (continuam sendo 12);
- 2 ministros do TCU (eram 7);
- 1 ministro do TSE (eram 5);
- 5 ministros de Lula (eram 14);
- 4 governadores de Estado (eram 9);
- 5 senadores (eram 8);
- Arthur Lira + 5 deputados (eram 7).
QUEM PAGA
O STF tem reiteradamente declarado que não paga os custos de viagens particulares de ministros, que são livres para aceitar convites para palestras e seminários. Não fica claro desta vez se cada autoridade presente no fórum pagará suas despesas ou se os organizadores vão bancar passagens, hospedagens e alimentação.
O que cabe à Corte é pagar pela segurança dos ministros, não importa onde estejam. Mesmo em caso de viagem para uma atividade privada, todos os 11 magistrados têm direito a ser acompanhados por algum agente policial.
Barroso havia dito em 10 de junho que há uma “falta de compreensão” com as viagens dos ministros e que eles vivem “encastelados”. Chamou de “implicância” as críticas a Toffoli, que foi para Londres assistir à final da Champions League e levou um segurança –ao custo de R$ 39.000.
Em 2021, o Poder360 mostrou que os magistrados do Supremo contavam com 32 seguranças em Brasília, 16 em São Paulo, 4 no Rio e 7 no Paraná. O custo anual era de R$ 7,9 milhões por ano. Atualmente, porém, os valores não estão claros no site do STF e não se sabe exatamente onde cada ministro esteve com seus seguranças.
No Brasil, os ministros da mais alta Corte do país não são obrigados a divulgar anualmente os relatórios de suas atividades privadas, diferentemente do que é feito nos Estados Unidos (entenda neste texto).
Os magistrados da Suprema Corte dos EUA têm sido pressionados sobre a relação mantida com a iniciativa privada. Editoriais de jornais norte-americanos e a sociedade civil têm sido críticos sobre como os magistrados atuam em atividades privadas. Há um sentimento crescente sobre a atuação dos juízes poder representar conflito de interesses.
QUEM ORGANIZA O FÓRUM
- IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa) – fundado por Gilmar, Paulo Gonet Branco (procurador-geral da República) e Inocêncio Mártires Coelho (ex-procurador-geral da República);
- LPL (Lisbon Public Law), da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;
- Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário, da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
O tema do fórum de 2024 é “Avanços e recuos da globalização e as novas fronteiras: transformações jurídicas, políticas, econômicas, socioambientais e digitais”.