O STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso Nacional acumulam ao menos 7 impasses desde 2023. Congressistas dizem que o Judiciário invade as competências do Legislativo ao judicializar temas e, segundo eles, legislar sobre pautas como a liberação de drogas e o aborto.
A tensão aumentou no último ano e, em reação, foram apresentadas propostas legislativas para limitar os poderes do Supremo, como o fim das decisões monocráticas (aquelas dadas por só 1 ministro) e o estabelecimento de mandatos para os integrantes da Corte.
DROGAS
A tensão mais recente entre os 2 Poderes foi na 3ª feira (25.jun), quando o STF liberou o porte de maconha para uso pessoal.
No mesmo dia, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criou uma comissão especial para analisar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45 de 2023, que criminaliza o porte e a posse de todas as drogas em qualquer quantidade.
Já Pacheco afirmou que a Corte invade a competência técnica da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de definir o que é droga, além da competência legislativa do Congresso.
O texto foi aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa Baixa com 47 votos a favor e 17 contra
O presidente do Senado apresentou a proposta em 14 de setembro de 2023. A reação se deu durante uma das retomadas do julgamento da Corte sobre o porte de maconha, que se iniciou em 2015.
O texto foi aprovado pela Casa Alta em 16 de abril de 2024 com folga. No 1º turno, o placar foi de 53 votos favoráveis e 9 contrários. No 2º turno, foram 52 votos favoráveis e 9 contrários.
DESONERAÇÃO
Em 25 de abril, o ministro do STF Cristiano Zanin considerou inconstitucional e derrubou a desoneração da folha de pagamento e dos municípios, a pedido do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O tema é debatido entre Executivo (favorável à medida) e Congresso (desfavorável) há mais de 1 ano, como mostrou Poder360.
Só 1 dia depois, em 26 de abril, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), protocolou no Supremo um recurso para revogar a decisão. O senador afirmou que a ação na Justiça poderia acabar “expondo” o Judiciário à “decisões de cunho politico, jurídicas, mas que interferem na política”.
“É tudo que nós não queremos”, disse.
Entretanto, depois de um acordo, novamente a pedido do governo, Zanin sustou por 60 dias o efeito da medida liminar assinada por ele que suspendia a desoneração. A decisão obriga que congressistas e integrantes da administração petista cheguem a um consenso dentro do prazo ou a medida passará a valer.
Ainda não há definição, já que o presidente da Casa Alta devolveu a MP (medida provisória) que limitava o uso de créditos do PIS/Cofins (Programa de Integração Social/Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), apresentada pelo governo para compensar a desoneração.
Agora, a equipe econômica, liderada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), e os senadores discutem outras propostas de compensação.
ABORTO
Em 17 de maio de 2024, o ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que proíbe o uso da técnica assistolia fetal para a interrupção de gestações acima de 22 causada por estupro.
O procedimento consiste na injeção de cloreto de potássio para interromper os batimentos cardíacos do feto e induzir o aborto.
À época, a bancada evangélica da Câmara dos Deputados se mobilizou para avançar com o PL (projeto de lei) 1.904 de 2024, que equipara o aborto acima das 22 semanas ao crime de homicídio.
A urgência da proposta foi aprovada em 12 de junho, em votação simbólica, com cerca de 20 segundos de duração.
Entretanto, o texto enfrentou forte repercussão negativa fora do Congresso. Em resposta, o presidente da Câmara, com os líderes partidários, recuou e anunciou que o debate só será retomado depois do recesso do Congresso, que começa em 18 de julho.
Está na Corte também o julgamento para descriminalizar o aborto nas primeiras 12 semanas de gestação.
A ministra aposentada Rosa Weber, então relatora do julgamento, recebeu o processo em março de 2017, mas só o agendou para 22 de setembro de 2023, uma semana antes de se aposentar.
Em 20 de dezembro do mesmo ano, cerca de 2 meses depois de assumir a presidência do STF, o ministro Roberto Barroso disse que vai pautar o aborto “em algum momento” de sua presidência na Corte, “mas não a curto prazo”.
PRISÃO DE CHIQUINHO BRAZÃO
Em 10 de abril, a Câmara manteve, por 277 votos a favor e 129 votos contra, a prisão do deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de mandar matar a ex-vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e o motorista Anderson Gomes em 2018. Eram necessários 257 votos favoráveis.
Pela Constituição Federal, um congressista só pode ser preso durante o mandato se for em flagrante de crime inafiançável.
Depois de receber a denúncia contra um senador ou deputado, o STF informará a respectiva Casa. Esta, por iniciativa de um partido político representado nela e com a maioria dos votos de seus integrantes, deve votar na CCJ e depois no plenário se mantém ou anula a prisão.
Chiquinho Brazão foi preso em 24 de março de 2024, durante uma operação da PF (Polícia Federal) autorizada por Alexandre de Moraes.
A manutenção da prisão de Brazão passou por margem apertada na Casa Baixa. Parte dos congressistas sinalizaram de que a prisão seria inconstitucional, já que Brazão não era deputado na época do crime.
Alegaram que a ação de Moraes abriria precedentes para outras prisões semelhantes. No entanto, por causa da repercussão negativa do caso, votaram a favor da prisão, mas fizeram acordos internos para não autorizar mais ações desse tipo vindas da Corte.
MARCO TEMPORAL
O Senado aprovou na noite de 27 de setembro de 2023, por 43 votos a 21, PL 2.903, que, dentre outros pontos, estabelece a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
No texto, esses povos só poderiam reivindicar terrenos que estavam em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial naquela época.
No mesmo dia, mais cedo, o STF definiu as regras que ficarão fixadas para a Justiça nas decisões que tratam sobre as disputas de terras indígenas. Em sessão de 21 de setembro, a Corte determinou, por 9 votos a 2, a inconstitucionalidade da tese.
Em 20 de outubro, Lula vetou o trecho do PL sobre o marco temporal. Em 14 de dezembro, em derrota para o governo, o Congresso derrubou o ato do chefe do Executivo.
A derrubada foi liderada e articulada pela bancada do agronegócio, contrária à ampliação de demarcações de terras indígenas no país.
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