Um passaporte diplomático de Filipe Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro (PL), indicou que ele teria entrado nos Estados Unidos em 30 de dezembro de 2022 em Orlando, na Flórida. Mas o ex-assessor perdeu o documento em 26 de fevereiro de 2021, conforme mostra um boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil do Distrito Federal (íntegra – PDF – 55 kB).
A defesa de Filipe Martins apresentou a ocorrência para contestar um registro feito pelos Estados Unidos de que a última entrada do ex-assessor teria sido em 30 de dezembro de 2022 (abaixo). Também é possível identificar a correção do nome, registrado inicialmente como “Felipe” para “Filipe”.
Agora, ao consultar o registro do passaporte perdido, a última data de entrada nos Estados Unidos é de 30 de agosto de 2019 e não mais 30 de dezembro de 2022.
Ao registrar a perda, o documento deveria ter sido cancelado. Apesar disso, ainda é incerto como o registro de entrada de Martins foi protocolado no sistema de imigração dos EUA a partir de um passaporte perdido.
Um relatório da PF cita a existência de 2 passaportes diplomáticos de Filipe Martins. Os investigadores, conduto, não informam qual está ativo e qual teria sido supostamente utilizado pelo ex-assessor para entrar na Flórida.
ATUALIZAÇÃO
Como mostrou o Poder360, o DHS (Departamento de Segurança Interna dos EUA, em tradução livre) atualizou o documento “I-94” do mais recente passaporte do ex-assessor. A última entrada registrada de Martins nos EUA foi em 18 de setembro de 2022. Eis a íntegra do arquivo (PDF – 227 kB).
A mudança contrariou em parte as informações usadas pela PF. No relatório que deu base para a prisão, os investigadores usaram registros do “View Travel History”, lista que cataloga todas as entradas e saídas das pessoas que viajam para os EUA, a partir de passaporte comum e diplomático.
O “View Travel History” usa informações de diferentes fontes. Por isso, justifica a divergência dos registros do I-94 com a lista usada pela PF.
Prisão e indícios frágeis
O ex-assessor de Bolsonaro foi preso em 8 de fevereiro de 2024 na operação Tempus Veritatis e segue detido. A prisão foi autorizada sob o argumento da PF, aceito por Moraes, de que Martins estaria foragido e havia risco de ele fugir do país.
O “risco de fuga” teria sido embasado pela suposta viagem para a Flórida em 30 de dezembro de 2022, mas essa informação nunca foi comprovada pelas autoridades do Brasil nem dos Estados Unidos.
Segundo a Polícia Federal, a ida de Martins com Bolsonaro para os EUA poderia “indicar que o mesmo tenha se evadido do país para se furtar de eventuais responsabilizações penais”. O relatório está na decisão de Moraes. Leia abaixo o que está no documento, que levanta dúvidas sobre a própria afirmação da PF (trechos em negrito marcados pelo Poder360):
“O nome de FILIPE MARTINS também consta na lista de passageiros que viajaram a bordo do avião presidencial no dia 30.12.2022 rumo a Orlando/EUA. Entretanto, não se verificou registros de saída do ex-assessor no controle migratório, o que pode indicar que o mesmo tenha se evadido do país para se furtar de eventuais responsabilizações penais. Considerando que a localização do investigado é neste momento incerta, faz-se necessária a decretação da prisão cautelar como forma de garantir a aplicação da lei penal e evitar que o investigado deliberadamente atue para destruir elementos probatórios capazes de esclarecer as circunstâncias dos fatos investigados.”
A informação de que Filipe Martins teria embarcado para os EUA, como se observa, não havia sido confirmada –mas a prisão havia sido requerida mesmo assim.
Sobre “a localização do investigado” ser “incerta”, a PF desconsiderou fotos do ex-assessor de Bolsonaro publicadas em perfil aberto na internet.
Além disso, quando Martins foi preso, a PF soube onde procurá-lo: no apartamento de sua namorada em Ponta Grossa (PR), a 117 km de Curitiba –logo, o seu paradeiro era conhecido. Ele hoje está no Complexo Médico Penal de Pinhais (PR), o mesmo onde ficavam os presos na operação Lava Jato.