Decisão do STF sobre a maconha precisa de regras para funcionar

Peritos criminais brasileiros aguardam as novas orientações para quando tiverem que examinar maconha apreendida em pequena quantidade pela polícia. A demanda surgiu depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) descriminalizar o porte de até 40 gramas de cannabis sativa ou 6 plantas-fêmeas –que produzem flores ricas em THC, composto psicoativo tetra-hidrocanabinol.

Com certeza deverão estabelecer novos procedimentos”, afirmou o perito criminal do Estado do Mato Grosso Marcos Secco, presidente da Associação Brasileira de Criminalística, que representa peritos, médicos-legistas e odonto-legistas em todo o território nacional.

Em 25 de junho, o STF decidiu liberar o porte de maconha para uso pessoal. Na prática, a conduta não se torna legal, mas deixa de ser tratada como um crime.

Desde 28 de junho, pessoas flagradas consumindo maconha terão a droga confiscada e o usuário será levado à delegacia. O delegado, porém, não deverá determinar a prisão em flagrante ou instaurar inquérito. O caso será registrado como infração administrativa e a pessoa será notificada de que deverá comparecer em juízo para ser ouvida e, eventualmente, receber sanção de caráter não-penal. O infrator deverá ser liberado.

A droga apreendida será examinada para peritos em laboratório, que vão identificar a substância e mensurar o volume. Segundo Marcos Secco, faltam definições quanto à obrigação de fazer a pesagem do entorpecente em balança certificada. Além de regras pontuais, o perito imagina que será necessário preparar os laboratórios e os técnicos para a nova rotina. “No caso de plantas [confiscadas pela polícia], teríamos que aumentar o serviço de botânica dentro dos institutos de criminalística”, disse o perito.


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Advertências

Quem cometer a infração administrativa por porte de maconha poderá ser advertido sobre os efeitos da droga ou ter de frequentar curso a respeito. Contudo, o defensor público Bruno Shimizu, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, aponta uma lacuna nesse encaminhamento.

De acordo com ele, não há na Lei das Drogas (lei nº 11.343/2006) um procedimento específico para a apuração de infração administrativa. “O STF entendeu que, enquanto não houver regulamentação desse procedimento, a imposição dessas sanções continua a se dar em um processo judicial”, explicou. Na decisão, o Supremo destacou que as regras definidas pela Corte valem enquanto o Congresso Nacional não criar uma nova lei sobre o assunto.

O STF também determinou que o governo crie programas educativos sobre os riscos do uso de drogas e forneça tratamento à saúde para dependentes. Estas iniciativas devem envolver diferentes órgãos de Estado. Na articulação de grande parte dessas políticas públicas estará a Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos), do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Para a advogada Lívia Casseres, coordenadora-geral de projetos especiais sobre drogas e justiça racial da Senad, a decisão do Supremo pode diminuir o estigma sobre as pessoas que consomem drogas e possibilita alcançar os usuários com políticas “preventivas, de promoção da saúde e do cuidado”. Segundo ela, além dos órgãos públicos, a elaboração dessas políticas envolverá a sociedade civil, por meio do Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas).

Há vários pontos da decisão [do STF] que ainda não tem total clareza, por conta de ainda não ter sido publicado o acórdão da decisão. Tem muitas complexidades que vão precisar ser pensadas, acho que por todos os poderes do Estado”, disse a coordenadora.

Casseres destacou que algumas definições técnicas não estão estabelecidas e “vão precisar ser discutidas e amadurecidas a partir da compreensão do conteúdo total do acórdão”. O envio do acórdão deverá se feito em agosto, depois do fim do recesso do Judiciário. Por ora, o STF encaminhou à Senad e outros órgãos apenas a ata com o resumo dos debates e a resolução.

Até mesmo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que é comandado pelo próprio presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, aguarda o acórdão da Suprema Corte para tratar de novas políticas judiciárias que deverão ser implementadas. Entre elas estão a realização de mutirões carcerários para revisar a ordem de prisão de pessoas flagradas com menos de 40 gramas de maconha.

Impacto relativo

Além de lacunas quanto a procedimentos técnicos e indefinições quanto a formulação de novas políticas públicas, há dúvidas e divergências sobre os efeitos da decisão. O advogado Cristiano Maronna, diretor do Justa, centro de pesquisa não-governamental sobre a Justiça, teme que o impacto da decisão do STF seja muito pequeno e que a resolução “muda algo para que tudo permaneça como está”.

Para Maronna, a decisão do Supremo mantém a pressuposição de que o caso é de tráfico, e não de uso recreativo, no testemunho do policial, ancorado em provas como o volume de droga apreendida e, eventualmente, a posse de embalagens, balanças ou registros de venda.

O tráfico não pode ser presumido. A finalidade mercantil tem que ser provada e tem que ser uma prova corroborada externamente para além do testemunho policial e das provas ancoradas”, disse o advogado. “O que realmente poderia mudar é qualificar a investigação criminal, chegar de fato a quem é traficante, a quem ganha dinheiro com isso. Afinal, se for um negócio bilionário, não é possível que só prenda os miseráveis negros.

O advogado Gabriel de Carvalho Sampaio, diretor de litigância e incidência da ONG Conectas Direitos, avaliou que “é preciso avançar muito mais”, mas divergiu de Maronna quanto ao impacto da medida. Segundo ele, a decisão do STF tem efeito aparentemente simbólico, mas com muitos desdobramentos na realidade, como o reconhecimento pela Corte das injustiças feitas pelo Judiciário e pela polícia na aplicação da Lei de Drogas.

A resolução do Supremo passa a constituir uma ferramenta importante no cotidiano, ou seja, não bastará mais a apreensão com a quantidade, uma mera declaração subjetiva da polícia para que o enquadramento seja de tráfico. As pessoas usuárias têm, a partir de agora, uma declaração do Supremo Tribunal Federal de que elas não praticam o crime ao consumir a droga, no caso, a maconha”, avaliou.


Com informações da Agência Brasil.

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