“O pecado é cobrar imposto sobre energia, sobre extração mineral e sobre a indústria. O pecado é o imposto”. É o que afirma o economista José Roberto Afonso, professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa) e da Universidade de Lisboa, sobre a possibilidade de incidência do IS (Imposto Seletivo), apelido de imposto do pecado, sobre a extração de bens minerais, como o petróleo.
Ao Poder360, Afonso afirma que o PLP (projeto de lei complementar) 68 de 2024, que regulamenta parte da reforma, vai contra a natureza do próprio texto constitucional e das práticas internacionais. Considerado um dos pais da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), o economista ressalta que a reforma trata de tributos sobre o consumo, e não sobre a produção industrial.
“O pecado capital é que esse Imposto Seletivo está sendo pensado como um substituto do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que não tem nada a ver com essa reforma, que é sobre consumo. Cobrar da energia torna isso gritante. A lei deveria discutir a essência desse imposto: como se caracteriza o prejuízo à saúde e ao meio ambiente? É o prejuízo verificado ou o risco potencial?“, afirma.
O especialista continua: “São muitos equívocos nessa proposta, que se afastou do que está escrito no texto constitucional. E mesmo se aprovada, com certeza vai deixar um enorme campo para ações judiciais. Porque é uma lei que não corresponde ao texto constitucional e está longe da prática internacional, que é tributar o consumo e não a produção. Ninguém no mundo tributa energia de forma indiscriminada”.
O economista participará na 4ª feira (10.jul.2024) do seminário “A segurança energética, o Estado e a sociedade”. O encontro, realizado pelo Instituto Pensar Energia, debaterá a mudança de tributação proposta na reforma para bens minerais extraídos e como ela impactará a cadeia produtiva de energia. O evento é reservado para convidados e a gravação ficará disponível no canal do Poder360 no YouTube.
O petróleo e o gás estão entre as 8 categorias que terão incidência de IS, de acordo com o substitutivo do PLP 68 de 2024. Eis a íntegra (PDF – 4 Mb). A tributação do Imposto Seletivo pode ter uma alíquota máxima de 1%, o que representará um prejuízo de até R$ 8 bilhões por ano para o setor energético, conforme levantamento do Instituto Pensar Energia.
José Roberto Afonso afirma que dentre as contradições da proposta, está o fato de que o Brasil continuará precisando de combustíveis fósseis. Outro erro, segundo ele, é ferir os princípios básicos da reforma, feita para dar simplicidade e melhorar a competitividade do sistema tributário.
“Para tributar energia fóssil, que ainda vamos precisar dela, é preciso parcimônia. E quando se faz isso pelo IVA não cria distorções para o resto da economia porque gera crédito. Não tem efeito, por exemplo, na petroquímica. Agora, quando se cobra um Imposto Seletivo e se coloca na lei que ele não vai dar crédito nem para trás nem para frente, se cria um imposto cumulativo. E isso pode trazer muitos danos para a cadeia produtiva”, explica.
Como reflexo, a situação pode provocar uma fuga de investimentos, sobretudo estrangeiros. “Cria uma incerteza e insegurança jurídica e econômica muito grande. E acima de tudo afasta investidores, não apenas do setor de energia que precisa de investimento estrangeiro. Mas essas contradições afastam até investimento em outras áreas”.
Como já mostrou o Poder360, há 5 grandes preocupações do setor energético com a taxação extra:
- fuga de investimentos – a avaliação é que o risco de criação de um novo imposto para o setor já tem postergado decisões de investimentos. Caso o tributo seja aprovado, essas decisões podem ser negativas diante da menor rentabilidade dos projetos, com companhias preferindo direcionar o recurso para outros países;
- perda de competitividade internacional – o imposto seletivo criaria algo incomum na maioria dos países do mundo: taxar exportação. Todo o bem mineral extraído no Brasil e enviado ao exterior sairia daqui com o imposto embutido. Essa taxação para exportações não existe em nenhum país do G20;
- impacto em toda a economia – a taxação sobre a extração e importação de petróleo cru deixará os combustíveis mais caros, como diesel, gasolina, QAV (de aviação) e bunker (de navios). Logo, os custos logísticos aumentarão para empresas de todos os segmentos, impactando a inflação;
- desincentivo a campos maduros – campos mais antigos têm uma quantidade menor de petróleo a ser recuperado/extraído. Ou seja, as taxas de lucratividade das petroleiras que os operam são mais achatadas. Com um novo imposto reduzindo ainda mais a rentabilidade, esse segmento poderia minguar;
- perda de arrecadação dos Estados produtores – as produtoras de petróleo pagam aos governos royalties e participações especiais, essas últimas referentes só a produção nos campos mais rentáveis. Para fazer essa conta das participações, abatem os encargos tributários que tiveram. Com um imposto extra, as compensações para Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo cairiam.
DEBATE EM BRASÍLIA
Além da tributação, o seminário “A segurança energética, o Estado e a sociedade”, realizado pelo Instituto Pensar Energia, também debaterá a transição energética nacional. A abertura do encontro será feita pelo diretor de Redação do jornal digital Poder360, Fernando Rodrigues.
Além da abertura, o evento terá 2 painéis, sendo que o 1º –“Transição energética, reforma tributária e sociedade: o caso do Imposto Seletivo”– será mediado pelo advogado e secretário-geral do Instituto Pensar Energia, Felipe Fernandes Reis. O 2º será “Uma estratégia de transição energética segura e justa: o papel do Estado”.
Leia a programação:
Painel 1: “Transição energética, reforma tributária e sociedade: o caso do Imposto Seletivo”
- Augusto Coutinho (Republicanos-PE), deputado federal;
- Reginaldo Lopes (PT-MG), deputado federal;
- Moses Rodrigues (União Brasil-CE), deputado federal;
- Joaquim Passarinho (PL-PA), deputado federal
- Filipe Barros (PL-PR), deputado federal;
- José Roberto Afonso, economista e professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa); e
- Bráulio Borges, economista-sênior da área de Macroeconomia da LCA Consultoria Econômica e pesquisador-associado do FGV-IBRE (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas)
Moderador: Felipe Fernandes Reis, advogado e secretário-geral do Instituto Pensar Energia.
Painel 2: “Uma estratégia de transição energética segura e justa: o papel do Estado”
- Xisto Vieira, CEO da Abraget (Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas);
- Adriano Pires, sócio-fundador do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura); e
- Aldo Rebelo, secretário de Relações Internacionais do município de São Paulo, ex-presidente da Câmara dos Deputados, ex-ministro da Defesa, do Esporte, de Relações Institucionais e da Ciência e Tecnologia e Inovação.