Saiba como está o projeto do trem-bala entre Rio e São Paulo

A TAV Brasil ganhou a autorização em 22 de fevereiro de 2023 para construir um trem de alta velocidade ligando as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Depois de 1 ano à frente do projeto, a empresa disse ao Poder360 que avançou nos estudos para iniciar as obras e fechou acordos para captação dos recursos necessários para tirar do papel o empreendimento estudado há 35 anos.

Ao longo desse 1º ano de autorização, a empresa informou que não fez alterações no seu cronograma. Com isso, o prazo para colocar o trem em operação está mantido para 2032, enquanto as obras devem começar em 2027.

Até o momento, o prazo mais curto da companhia é a apresentação dos estudos de viabilidade, que devem ser entregues à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) até dezembro de 2024. Segundo a TAV, essa etapa “está bastante avançada”.

Ao Poder360, a companhia disse que dedicou este 1º ano ao diálogo com as prefeituras das cidades localizadas ao longo do traçado do trem de alta velocidade, com possíveis parceiros e potenciais investidores. A empresa afirmou que fechou 6 NDAs (sigla em inglês para acordos de confidencialidade) com grupos estrangeiros interessados em investir no empreendimento.

A TAV também informou que prepara o projeto para captar recursos através do mercado verde. A empresa manifestou o desejo de habilitar o empreendimento a entrar no mercado de carbono para conseguir investimentos junto a fundos destinados a projetos sustentáveis.

A previsão da TAV Brasil é que o projeto tenha 4 estações. Além das duas capitais, o trem também pegará passageiros em São José dos Campos (SP) e em Volta Redonda (RJ). A exploração da estrada de ferro terá o prazo de 99 anos e a estimativa é de que o orçamento total seja de R$ 50 bilhões.

Os recursos serão levantados junto ao setor privado. Em março de 2023, o diretor-presidente da Infra S.A, Jorge Bastos, disse que o governo federal não tem interesse em participar do projeto do trem-bala para ligar o Rio de Janeiro a São Paulo.

Nós não temos interesse nenhum em participar nisso. Isso não é uma das nossas prioridades. É uma autorização totalmente privada e eles que vão tocar”, declarou Bastos na época.

A construção será feita por meio do modelo de autorização.

MODELO DE AUTORIZAÇÃO

A autorização ferroviária é um mecanismo em que o agente privado pode construir os trilhos sem a necessidade de um leilão, onde há uma concorrência com outras empresas do setor. O modelo, originalmente, foi pensado como uma forma de viabilizar pequenas linhas ou reativar outras que estavam abandonadas.

Entretanto, desde a aprovação do novo marco das ferrovias, que tratava quase que exclusivamente sobre o assunto, apareceram centenas de projetos com interesse em construção de novos trechos, alguns deles de longa distância.

O principal incentivador desse projeto foi o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), quando era ministro da Infraestrutura de Jair Bolsonaro (PL). Fez diversas reuniões com senadores em busca de entendimento para poder avançar a proposta no Senado.

Quando percebeu que o texto não avançaria, o então ministro enviou ao Congresso uma medida provisória com o mesmo conteúdo do projeto de lei para forçar a discussão da matéria. Funcionou. Meses depois o projeto de lei foi aprovado.

PROJETO É ESTUDADO HÁ 35 ANOS

O chamado trem-bala ganhou grande notoriedade durante os governos Lula e Dilma para desafogar a malha aérea daquele eixo e atender à demanda da Copa do Mundo de 2014. Entretanto, foi pensado pela 1ª vez em ainda no governo de José Sarney (MDB).

Em 1989, as concessões de ferrovias podiam ser dadas para agentes privados por decreto presidencial. Uma das pessoas que conseguiu pela caneta do presidente da República construir trilhos, por exemplo, foi o empresário Olacyr de Moraes, criador da Ferronorte.

O objetivo era fazer transporte de carga entre as cidades de Cuiabá (MT), Uberaba/Uberlândia (MG), Santa Fé do Sul (SP), Porto Velho (RO) e Santarém (PA).

Naquela época, a empresa tinha até 5 anos para poder tirar o projeto do papel. Caso não o fizesse, perdia a concessão. Olacyr assinou o contrato em 19 de maio de 1989, mas o projeto não foi concluído.

Artur Falk também ganhou uma concessão via decreto para implantar novos trilhos. O projeto era um trem de alta velocidade ligando as duas maiores capitais do país, Rio de Janeiro e São Paulo. O projeto nunca saiu do papel e ele perdeu o direito de concessão.

Falk foi um dos donos dos títulos de capitalização dos anos 1990 chamado Papa-Tudo. Ele foi acusado em 2000 pelo Ministério Público Federal de deixar de pagar R$ 168 milhões (valores da época) aos investidores dos títulos. Falk chegou a ter a prisão decretada em 2017, mas em dezembro daquele ano o STJ (Superior Tribunal de Justiça) considerou que o crime havia prescrito.

FHC

Depois de Falk, 10 anos se passaram sem se falar em um trem ligando as duas maiores capitais do país. Até que em 1999, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez um acordo de cooperação com o governo da Alemanha para estudar as soluções para o eixo Rio-São Paulo.

A Deutshe Bahn, uma das maiores empresas ferroviárias do mundo, fez um estudo detalhado do trecho e concluiu que a melhor forma para transporte de passageiros entre as duas cidades seria um trem de alta velocidade.

No ano seguinte, em 2000, o Ministério dos Transportes fez um road show para investidores no Estado de São Paulo, mas o programa não progrediu. Ainda faltava uma modelagem para a concessão.

CAOS AÉREO E COPA DO MUNDO

De 2006 a 2007, 2 fatores se cruzaram e fizeram com que o trem-bala voltasse à pauta do governo: o caos aéreo e a Copa do Mundo de 2014.

Naqueles 2 anos, o Brasil teve 2 dos seus maiores acidentes aéreos, o Gol 1907 que se chocou com o jato Legacy e caiu na serra do Cachimbo (PA) em setembro de 2006; e o TAM 3054 que ultrapassou a pista de pouso de Congonhas (SP) e se chocou com o prédio da própria companhia aérea em julho de 2007.

Em outubro daquele mesmo ano, o Brasil foi eleito oficialmente como sede da Copa do Mundo de 2014. Assim, o governo tinha, por necessidade, que repensar sua matriz de transportes.

A partir de 2007, o governo retornou a discussão sobre o trem de alta velocidade entre Rio de Janeiro e São Paulo. A então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, começou a chamar investidores ao redor do mundo para mostrar os planos do governo de construir um trem de alta velocidade e saber deles se eles tinham interesse naquele projeto.

Alguns investidores da Europa vieram até o Brasil para falar com o governo. Mas a apresentação que mais surpreendeu Dilma foi a dos coreanos, que mostraram o funcionamento dos seus trens KTX (Korea Train Express). A então ministra da Casa Civil resolveu voltar com os estudos do projeto.

A partir daquele momento, o governo, junto ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), aproveitou o material que já tinha sido feito no governo FHC e começaram a fazer novos estudos.

LEILÃO FRACASSADO

Em 2008, de acordo com o projeto que foi estruturado, ficou acertado que o governo contrataria alguém para construir e explorar a malha ferroviária e, em contrapartida, forneceria um financiamento de 30 anos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Em 2010, o edital foi publicado.

Em dezembro de 2010, o governo tentaria fazer o 1º leilão. O grupo coreano KTX4TAV foi o único que manifestou interesse, mas por pressão de empreiteiras brasileiras o leilão foi adiado. O adiamento se repetiu em abril de 2011. Em julho daquele ano, o leilão foi realizado e, desta vez, não teve interessados.

Logo depois do fracasso do certame, outro modelo foi anunciado para tentar construir o trem-bala: o governo faria a obra, mas contrataria o operador do trem. A ideia era que, com o pagamento de R$ 42 bilhões pelo uso da infraestrutura, o governo poderia pagar a obra que ele mesmo construiria.

O leilão com esse novo modelo seria realizado em 2013. Mas em agosto daquele ano o governo resolveu adiar mais uma vez. Havia pelo menos 2 grupos interessados, 1 francês e 1 espanhol.

No ano seguinte, em 2014, o Brasil realizou a Copa do Mundo de futebol sem trem-bala e sem ampliação da malha aérea. Agora, a TAV Brasil planeja entregar o trem-bala ligando Rio de Janeiro e São Paulo em 2032.

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