O Google anunciou nesta 5ª feira (22.fev.2024) a suspensão da criação de imagens por IA (Inteligência Artificial) por meio da ferramenta Gemini. Na 4ª feira (21.fev), o jornal NY Post criticou a plataforma da big tech por criar “imagens factuais ou historicamente imprecisas”.
De acordo com o jornal, a reportagem instruiu a ferramenta a “criar uma imagem de um papa”, e recebeu uma imagem de uma mulher do sudeste asiático e um homem negro, em vez de uma foto ou representação de 1 dos 266 pontífices ao longo da história –todos eles brancos.
Um dos resultados de outra consulta do jornal também foi muito diferente da realidade. Quando o jornal pediu a criação de imagens dos “Pais Fundadores em 1789”, Gemini respondeu com imagens de homens negros e nativos norte-americanos assinando uma versão da Constituição dos Estados Unidos, sendo que, na realidade, eram todos brancos.
A ferramenta apresentou também George Washington, 1º presidente dos EUA (1789-1797), como um homem negro, de peruca branca e uniforme do Exército. No entanto, ele era um homem branco que possuiu escravos e combateu indígenas.
O NY Post questionou a Gemini sobre o motivo pelo qual se desviou da sugestão original, e a plataforma respondeu que “pretendia fornecer uma representação mais precisa e inclusiva do contexto histórico” do período.
“Já estamos trabalhando para resolver problemas recentes com o recurso de geração de imagens do Gemini. Enquanto fazemos isso, pausaremos a geração de imagens de pessoas e relançaremos uma versão melhorada em breve”, disse o Google em seu perfil no X (ex-Twitter).
“Estamos trabalhando para melhorar esse tipo de representação imediatamente”, disse o o diretor sênior de gerenciamento do Google para Gemini Experiences, Jack Krawczyk ao jornal norte-americano. “A geração de imagens de IA do Gemini gera uma ampla gama de pessoas. E isso geralmente é bom porque pessoas ao redor do mundo o usam. Mas está errando o alvo aqui”.
Críticos consideram que o Google mantenha configurações progressistas para tentar corrigir o risco de ser racista, e temem que a ferramenta contribua para disseminação de desinformação.
Em seu perfil do X, o proprietário da rede social, Elon Musk, criticou o que chamou de cultura woke, e afirmou que “o vírus da mente ‘woke’ está matando a civilização ocidental”.
“O Google faz a mesma coisa com seus resultados de pesquisa. Facebook e Instagram também. E Wikipédia”, disse Musk, que também é CEO da Tesla.
O posicionamento foi também capa do jornal impresso na edição desta 5ª feira (22.fev), além de ocupar duas páginas. “Bagunçando a história”, disse. Leia a capa (pdf – 2 MB, em inglês), a página 4 (pdf – 4 MB, em inglês) e a página 5 (3 – MB, em inglês).
CULTURA WOKE
Críticos do movimento pelo uso da linguagem neutra nos Estados Unidos a relacionam com a cultura woke. O significado literal de “woke” é “acordei”. O uso do termo pela comunidade negra dos EUA remete a estar alerta para a injustiça racial.
Na última década, o termo também ganhou o sentido de “consciência sobre temas sociais e políticos, especialmente racismo“, como define o dicionário Oxford. Pessoas passaram a se autodefinir como woke para se identificar como parte de uma cultura liberal.
Por outro lado, a palavra também passou a ser usada por quem desaprova integrantes dessa cultura e considera seus integrantes “pessoas que falam demais sobre esse temas [sociais], de uma forma que não muda nada”, também segundo o dicionário Oxford.
A desaprovação mira em métodos de coerção usados para desestimular o uso de expressões consideradas homofóbicas, misóginas ou racistas. Um dos pontos criticados é o “cancelamento”, um tipo de boicote a quem faz uso desse tipo de termos.
De um lado, defensores da abordagem woke dizem que esse tipo de protesto não violento dá visibilidade a grupos historicamente oprimidos e corrige comportamentos de setores privilegiados que nunca haviam refletido sobre o assunto. De outro, há a acusação de que sejam “policiais da linguagem”.
Os críticos do woke não estão apenas entre os conservadores. Políticos mais identificados com a esquerda nos Estados Unidos, como o ex-presidente Barack Obama, já se pronunciaram sobre o assunto. Em 29 de outubro de 2019, durante encontro anual da Fundação Obama, o ex-presidente teceu duras críticas ao movimento:
“Eu tenho a impressão que alguns jovens, especialmente nas redes sociais, pensam que a forma de mudar as coisas é julgar outras pessoas o máximo possível. E que isso basta. Se eu posto no Twitter ou coloco uma hashtag sobre como você errou numa palavra ou usou o verbo incorreto, eu posso me sentar e me sentir bem porque ‘cara, viu como eu fui woke’? Eu te chamei a atenção! Isso não é ativismo, não trará mudança“, disse Obama. Vídeos desta fala viralizaram na internet na época.
- Alguns embates recentes evidenciam como essa disputa política continua pelo mundo: “Latinx” – o termo é uma palavra cunhada para se referir a membros da comunidade latina nos Estados Unidos de forma neutra, sem masculino nem feminino. Ele é motivo, no entanto, de controvérsia. Alguns argumentam que “latin” e “latino” já são palavras de gênero neutro. A governadora republicana do Arkansas, Sarah Huckabee, baniu em 12 de janeiro o uso do termo em documentos oficiais. Legisladores do partido Democrata (mais identificado com a esquerda) propuseram o mesmo em Connecticut em janeiro de 2023;
- Igreja – um cântico tradicional de natal em inglês, “God Rest Ye Merry Gentlemen”, foi modificado para uma versão mais inclusiva à comunidade LGBTQIA+ e virou motivo de disputa em uma igreja na região de Loughborough, no Reino Unido no fim de 2022. A versão modificada trazia os versos “Deus abençoe também vocês, mulheres, que foram apagadas pelos homens durante a história, ignoradas e desprezadas” e “Deus abençoe você, queer [que não se encaixa em definições tradicionais de gênero] e questionador, seu coração ansioso ficará quieto”.
O Poder360 não faz uso da linguagem neutra em seus textos. “A política editorial do jornal digital busca sempre de maneira obsessiva a neutralidade na apuração dos fatos. O uso dessa forma de comunicação está, hoje, ainda fortemente associado a um dos campos políticos. O código de conduta deste jornal digital exige, ao tratar de temas complexos, respeito aos mais diversos pontos de vista”, diz Fernando Rodrigues, diretor de Redação do Poder360.