Os franceses votam neste domingo (30.jun.2024) no 1º turno das eleições para a Assembleia Nacional. A Casa Baixa do Parlamento foi dissolvida pelo presidente Emmanuel Macron em 9 de junho, apenas uma hora depois de ter se consolidado o avanço da “extrema-direita” no Parlamento Europeu. Mas a decisão arriscada pode levar Macron a governar com um primeiro-ministro que não compartilha suas políticas.
As pesquisas mais recentes mostram o partido de direita RN (Reagrupamento Nacional) liderando com 36,5% das intenções de voto, seguido pela Nova Frente Popular (uma coalizão de partidos de esquerda e centro-esquerda) com 29%, e a aliança centrista de Macron (Juntos) em 3º lugar com 20,5%.
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Caso a liderança da direita se confirme no 1º turno e o RN obtenha outra vitória significativa no 2º turno em 7 de julho, o jovem deputado Jordan Bardella, de 28 anos, emerge como favorito ao cargo de primeiro-ministro. Ele divide a liderança do Reagrupamento Nacional com Marine Le Pen, adversário de Macron nas duas últimas eleições presidenciais.
A coabitação entre o presidente centrista e um primeiro-ministro de direita configuraria um cenário político inédito e potencialmente tumultuado para a França. Macron, conhecido por suas políticas pró-europeias e progressistas, teria que trabalhar lado a lado de um populista eurocético.
Essa dinâmica pode resultar em impasses políticos significativos ou, na melhor das hipóteses, obrigar ambos os lados a cederem em questões cruciais para a França —o que parece pouco provável.
“O apelo de Bardella é forte entre os franceses preocupados com questões de imigração, soberania nacional e críticos das políticas pró-Ucrânia de Macron. Ele mobiliza tanto jovens quanto eleitores mais velhos, aproveitando as redes sociais para difundir suas mensagens e ganhar popularidade, especialmente com slogans impactantes”, analisa Fernanda Brandão Martins, coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, em entrevista ao Poder360.
Desde que chegou ao RN, aos 16 anos, até assumir a presidência do partido, Bardella navegou tanto pela ala “social”, com forte tom populista, quanto pela “identitária”, centrada na preservação da “cultura francesa”. E assim como Le Pen, ele adota uma postura firme contra a imigração, declarando que a França está “inundada por migrantes”.
Esse tema é crucial para Bardella. O político, que frequentemente afirma ter crescido na periferia de Paris e testemunhado os efeitos da imigração “descontrolada”, construiu sua plataforma explorando os temores dos conservadores franceses.
“Eu vi essas áreas perdidas da República Francesa se tornarem conquistas do islamismo”, ele disse durante um comício em 2022. “Eu senti, como você e como milhões de cidadãos franceses, a dor de se tornar um estrangeiro em seu próprio país”.
Se chegar ao cargo de primeiro-ministro, é provável que a França adote políticas mais rígidas em relação à imigração, aumentando a tensão com a população islâmica do país.
“O governo já tem restringido os direitos dos islâmicos, como proibir o uso do véu em alguns lugares. Bardella se posiciona claramente contra o que ele chama de ‘islamização’ da França, o que pode resultar em leis ainda mais rigorosas nesse sentido”, explica a professora Fernanda Martins Martins.
Outro aspecto que pode marcar a liderança de Bardella no Parlamento francês é sua oposição à UE (União Europeia). Partidos eurocéticos, como o RN, defendem maior autonomia nacional e se opõem ao aprofundamento da integração europeia. Apesar disso, a sigla tem a maior bancada da França em Bruxelas e venceu as eleições de junho no Parlamento europeu.
O processo de integração começou com a cooperação econômica e se expandiu para áreas políticas, culminando na união monetária. Isso significa que os governos nacionais cedem parte de sua soberania para decisões supranacionais, como as políticas monetárias definidas pelo Banco Central Europeu.
“A extrema-direita vê isso como uma perda de soberania e identidade cultural francesa, argumentando que a integração prejudica a economia e compromete a identidade nacional”, explica a especialista. Para eurocéticos como Bardella e Le Pen, a participação na UE resultou em diversos prejuízos econômicos. Eles argumentam que, como uma potência no bloco, a França é frequentemente obrigada a assumir compromissos financeiros para auxiliar outros países.
“Embora seja difícil prever, a saída da França da UE não é impossível, especialmente se a extrema-direita fortalecer seu apoio e mobilizar a população em torno dessa causa”, opina. “No entanto, sair da UE teria um custo político e econômico significativo, considerando o papel de liderança histórico da França no processo de integração europeia”, continua.
O “pupilo” de Le Pen
O “garoto propaganda” do RN subiu rapidamente na política. Pouco depois de ser apresentado a Le Pen em 2017, ela o nomeou porta-voz do partido. Em 2019, o escolheu para liderar a lista de candidatos da sigla nas eleições europeias, que o Reagrupamento Nacional venceu, resultando na eleição de Bardella como eurodeputado.
Em 2022, Le Pen permitiu que seu “leãozinho” –como ela frequentemente o chama– assumisse a presidência do RN.
Visto como um pupilo preparado por Le Pen, Bardella tem se mostrado estratégico. Sua decisão de não assumir o cargo de primeiro-ministro sem uma maioria parlamentar reflete um alinhamento claro com o projeto político da líder da direita francesa, que visa s fortalecer sua posição para 2027 e avançar em uma agenda anti-imigração e anti-União Europeia.
“Só com a maioria dos assentos ele conseguiria implementar as políticas apresentadas pelo seu partido e mostrar algum serviço. Esse é o caminho ideal para que a Marine Le Pen chegue à presidência”, analisa Martins.
Esta reportagem foi produzida pela estagiária de jornalismo Fernanda Fonseca sob supervisão do editor-assistente Ighor Nóbrega.