Com 53,7% dos votos, o reformista Masoud Pezeshkian, 69 anos, foi eleito presidente do Irã. Seu adversário, o conservador Saeed Jalili, 58 anos, recebeu 44,3%.
“Querido povo, as eleições terminaram e este é apenas o início da nossa parceria. O difícil caminho que temos pela frente não será tranquilo, exceto com seu companheirismo, empatia e confiança, estendo minha mão a você e juro pela minha honra que não os deixarei sozinhos neste caminho”, disse Pezeshkian em seu perfil no X (ex-Twitter).
As eleições, realizadas em 28 de junho (1º turno) e 5 de julho (2º turno), foram convocadas depois de o presidente Ebrahim Raisi morrer em uma queda de helicóptero em 19 de maio.
Nascido em Mahabad em 29 de setembro de 1954, Pezeshkian é médico cardiologista e atuou como ministro da Saúde de 2001 a 2005, durante o governo de Mohammed Khatami. Em 2008, passou a representar a cidade de Tabriz no Parlamento iraniano.
Ele foi candidato à presidente em 2013 e em 2021. No 1º ano, desistiu da disputa para apoiar o ex-líder iraniano Hashemi Rafsanjani. Já em 2021, não teve o nome admitido pelo Conselho dos Guardiões, órgão responsável por aprovar os candidatos que desejam concorrer a Presidência do país.
Nas eleições deste ano, Pezeshkian foi o único nome reformista autorizado a participar da corrida.
Andrew Traumann, professor de Relações Internacionais no UniCuritiba e coordenador da pós-graduação em geopolítica da Ásia na PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), avalia que a presença do presidente eleito foi a forma do Líder Supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, incentivar a população a comparecer às urnas.
No Irã, o voto não é obrigatório. Nas eleições de 2021, que elegeram Ebrahim Raisi, a participação eleitoral registrou uma baixa histórica de 48,8%.
A taxa caiu ainda mais no pleito deste ano, com um comparecimento de 40% no 1º turno e 49,8% no 2º turno. O descontentamento da população com o atual regime explica essa situação (leia mais abaixo).
O QUE MUDA COM O GOVERNO DE PEZESHKIAN
Especialistas entrevistados pelo Poder360 avaliam que a eleição do reformista abre caminho para algumas mudanças no país.
Thomas Ferdinand Heye, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF (Universidade Federal Fluminense), afirma que a vitória de Pezeshkian “sugere uma possível abertura para reformas internas e uma abordagem mais conciliadora nas relações internacionais”.
Durante sua campanha, o presidente eleito defendeu a retomada das negociações nucleares com o Ocidente a fim de aliviar as sanções econômicas contra o Irã e melhorar as relações com países ocidentais.
Pezeshkian também tem um posicionamento menos rígido em relação aos costumes sociais, como o uso obrigatório do hijab –véu islâmico– por mulheres. O objetivo dele é atender a demanda da população por uma liberdade individual maior.
Embora qualquer mudança do tipo esteja condicionada à aprovação do Líder Supremo, Andrew Traumann afirma que elas serão possíveis porque o regime iraniano “quer, antes de tudo, sobreviver”.
A POLÍTICA DO IRÃ E O PAPEL DO PRESIDENTE
O espectro político no Irã funciona de maneira diferente em comparação com o Brasil, por exemplo. Thomas Ferdinand Heye explica que o sistema que caracteriza e classifica diferentes posições políticas é dividido entre conservadores, reformistas e moderados.
“Os conservadores defendem a preservação dos valores islâmicos tradicionais e a autoridade do Líder Supremo, sendo céticos em relação às reformas políticas e sociais”, disse o especialista.
Heye também afirma que, dentro do grupo, existe um subsetor, chamado de principista, que é “extremamente leal aos princípios da Revolução Islâmica e à liderança do Líder Supremo”.
Os reformistas buscam reformas no sistema político e social do Irã, visando promover a liberdade política, os direitos civis e uma relação mais aberta com outros países. Já os moderados ocupam uma posição de equilíbrio a fim de preservar os valores islâmicos e implementar “reformas moderadas”.
Apesar dessa divisão, Andrew Traumann lembra que não existe uma oposição de facto no Irã. “Todos os candidatos autorizados a concorrer estão, de alguma forma, dentro do establishment. Se eles são aprovados [pelo Conselho dos Guardiões para disputar a eleição], é porque o regime não os vê como uma ameaça”, disse o professor ao jornal digital.
Ao ser eleito presidente, Pezeshkian desempenhará um papel mais administrativo, ou seja, será responsável por questões econômicas, implementações de leis e políticas, nomeação de ministros e representação do país em assuntos internacionais. No entanto, a maioria de suas decisões devem ser aprovadas pelo Líder Supremo, que detém a autoridade final.
DESCONTENTAMENTO DA POPULAÇÃO
Segundo os especialistas, diversos fatores explicam a desaprovação dos iranianos em relação ao atual regime no país. O principal deles é a atual situação econômica.
O Irã enfrenta sanções internacionais desde a Revolução Islâmica. Andrew Traumann explica que, quando houve o acordo nuclear de 2015, a promessa feita à população foi de que o tratado causaria uma melhora, algo que não se cumpriu.
“Logo quando começou o acordo, Donald Trump foi eleito nos EUA e ele se retirou do acordo. [Assim] os bens não são descongelados, as sanções não são retiradas, o povo se sente enganado e a situação econômica continua a mesma”, disse.
Thomas Ferdinand Heye afirma que existe ainda uma “má gestão interna” que resultou em inflação alta, desemprego crescente e uma queda no padrão de vida. “A população enfrenta dificuldades diárias por causa do aumento dos preços dos bens essenciais e da escassez de produtos, o que tem gerado protestos e insatisfação generalizada”, disse.
As questões políticas e sociais também contribuem para o descontentamento, como a imposição de normas religiosas, corrupção no governo e a falta de liberdade política e civil.
“A resposta do governo aos protestos e manifestações também tem exacerbado o descontentamento. A repressão violenta e a falta de diálogo com a sociedade civil têm alienado ainda mais a população, que vê o governo como autoritário e desconectado das necessidades e aspirações do povo”, afirmou o professor da UFF.
CONFLITO NO ORIENTE MÉDIO
Desde o início da guerra entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza, as tensões entre Tel Aviv e Irã aumentaram. Em abril, as nações trocaram ataques depois que a embaixada iraniana em Damasco, na Síria, foi bombardeada. Os governos iraniano e sírio culparam Israel pela ofensiva.
No Oriente Médio, o Irã é considerado uma das maiores potências militares. Segundo dados do Global Firepower, que classifica os Exércitos de 145 países, as forças iranianas aparecem em 8º lugar. Tem 1,18 milhão de militares, sendo 610 mil na ativa e 350 mil na reserva. O país conta ainda com a atuação de 220 mil paramilitares.
Além do Exército tradicional, existe, no país persa, a chamada Guarda Revolucionária. Foi fundada em 1979 depois da Revolução Islâmica e tem o objetivo de proteger o regime. “Ela foi concebida como uma força leal ao Líder Supremo e à ideologia da Revolução Islâmica, funcionando paralelamente ao Exército regular”, explica Heye.
Segundo Traumann, a instituição militar tem um orçamento e armas próprias mais avançadas em comparação com as do Exército. A Guarda Revolucionária também exerce um papel significativo na política do país. “Os integrantes, especialmente aqueles que estão no topo, muitas vezes são vistos como potenciais candidatos à Presidência”, disse o especialista.
O Irã também conta com o apoio de grupos extremistas como Hezbollah, Houthis e Hamas. Traumann explica que o financiamento desses grupos pelo governo iraniano é uma estratégia adotada pelo país para aumentar sua influência no Oriente Médio.
De maneira semelhante, Heye avalia que essa estratégia permite ao Irã desafiar potências regionais e conter a presença dos Estados Unidos na região. “Através do Hezbollah e do Hamas, o Irã pode desestabilizar adversários, criar zonas de influência e obter vantagens estratégicas sem recorrer a confrontos diretos”, disse.
De acordo com o professor da UFF, muitos países do Ocidente, especialmente os EUA e as nações europeias, veem as Forças Armadas do Irã como uma “ameaça significativa” principalmente por causa de seu programa de mísseis balísticos e do potencial desenvolvimento de armas nucleares.
Desde a saída dos EUA do acordo nuclear de 2015, o país tem aumentado seu estoque de urânio enriquecido, para produção de armas nucleares, segundo relatórios da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica).
“Além disso, a postura agressiva do Irã em relação a Israel e sua retórica antiocidental aumentam as preocupações sobre possíveis confrontos militares. Os países do Golfo Pérsico, como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein, também percebem o Irã como uma ameaça potencial”, afirmou. Isso se dá, segundo o especialista, por causa da influência que o Irã tem sobre grupos xiitas nesses países.