O 1º projeto de lei relativo ao aborto no Brasil foi apresentado em 1949 pelo deputado federal Alfredo Arruda Câmara (PDC-PE) –que também era padre. A proposta estabelecia a proibição total do aborto no país, na contramão do Código Penal, em vigor desde 1940, que já permitia o aborto em casos de gravidez por estupro e risco de vida para a gestante.
Para o deputado, as duas possibilidades de aborto legal desrespeitavam “a moral católica do povo brasileiro” e abriam a porta para “todos os outros atentados à vida do nascituro”. O projeto, no entanto, sequer chegou a ser discutido –foi engavetado sem passar por nenhuma comissão.
Quem identificou o texto foi Maria Isabel Baltar da Rocha Rodrigues, militante feminista, socióloga e professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), falecida em 2008. De acordo com sua pesquisa, foram 18 as propostas relativas ao aborto apresentadas à Câmara e ao Senado de 1946 a 1983 –a maioria contrária à interrupção da gravidez.
Somente em 1971, durante a ditadura militar (1964-1985), o Senado tratou do tema pela primeira vez, mas, naquele momento, com o intuito de ampliar as possibilidades de aborto legal. O texto foi apresentado pelo senador governista Vasconcelos Torres (Arena-RJ). O documento original desse projeto, redigido em máquina de escrever, está guardado no Arquivo do Senado, em Brasília.
Ele estabelecia a legalização do aborto para 3 novas situações:
- gravidez resultante de incesto;
- risco de o bebê nascer com deficiência física ou mental;
- grave ameaça à saúde da mãe.
“Tais medidas contribuirão para reduzir as tristes estatísticas de mortes provocadas pela ação ineficiente, incapaz e mesmo criminosa de grande número de parteiras curiosas”, declarou o senador, na época, referindo-se aos abortos clandestinos. Ele afirmou que a ideia central partiu de médicos ginecologistas e obstetras e enfatizou que não se tratava da legalização total do aborto.
Os debates duraram exatamente 1 mês. Apresentado em 27 de outubro de 1971, o projeto de Torres passou por duas comissões do Senado: CCJ (Constituição e Justiça), com relatoria de José Sarney (Arena-MA), e Saúde, com relatoria de Adalberto Sena (MDB-AC). Ambas o rejeitaram. Foi engavetado em 26 de novembro, sem chegar ao plenário.
O argumento foi de que, como a ditadura havia criado em 1969 um novo Código Penal que ainda receberia contribuições do Senado e da Câmara, o mais sensato seria fazer mudanças em relação ao procedimento somente durante esse processo. Esse novo código, contudo, jamais entrou em vigor, e o que vale até hoje –com alterações– é o de 1940.
A 1ª vez que o Senado e a Câmara discutiram juntos o aborto foi em 1977, ainda durante a ditadura, na CPI da Mulher, destinada a investigar a discriminação das mulheres brasileiras e propor medidas contra a desigualdade de gênero. A comissão ouviu diversas mulheres, entre sociólogas, psicanalistas, jornalistas, advogadas,
A CPI da Mulher foi presidida pelo senador Gilvan Rocha (MDB-SE), que era médico. Ele criticou a “hipocrisia” da legislação brasileira, que previa “penas tanto para a mulher que se submete ao aborto como para o médico, mas nenhuma para o agente indutor”.
Já a relatoria foi da deputada Lygia Lessa Bastos (Arena-RJ). Ela disse “repugnar” a legalização do aborto por suas “convicções religiosas”, mas declarou saber separar suas convicções íntimas do seu trabalho político e pediu que os congressistas acompanhassem com atenção as experiências em curso em outros países em relação ao tema.
O relatório final da comissão recomendou a aprovação de projetos de “amenização do crime de aborto”. Contudo, o Código Penal, até hoje, permite o aborto somente nos casos de estupro e risco à vida da grávida. Em 2012, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que também é legal interromper a gestação quando o feto tem anencefalia (ausência parcial do encéfalo e do crânio).
Com informações da Agência Senado.