Em artigo publicado na 2ª feira (17.jun.2024) na revista PNAS, um grupo de pesquisadores apoiado pela Fapesp estima que mais de 3.000 espécies de vertebrados terrestres estejam em risco de extinção por causa de eventos como terremotos, furacões, tsunamis e erupções vulcânicas.
O levantamento foi feito a partir da sobreposição da área do planeta em que ocorreram esses eventos com os locais de ocorrência de mamíferos, répteis, anfíbios e aves que têm menos de 1.000 indivíduos na natureza ou que ocupam uma área menor do que 2.500 km², o que traz dificuldades para se reproduzirem e recuperarem a viabilidade da população diante de fenômenos naturais críticos.
“Hoje existem no mundo 8.813 espécies com uma população muito pequena ou vivendo numa área restrita. Nossas estimativas apontaram que 42% [3.722] delas estão em regiões em que ocorreram um ou mais desses eventos nos últimos 50 anos, o que é bastante ameaçador para o futuro desses animais”, afirma Fernando Gonçalves, 1º autor do trabalho, realizado em parte durante pós-doutorado no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro (SP), com bolsa da Fapesp.
O estudo é conduzido no CBioClima (Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima), um Cepid (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão) apoiado pela Fapesp.
Entre as espécies ameaçadas pelos fenômenos naturais, 70% vivem em ilhas. Levando em conta as regiões do planeta, 34% estão nos Neotrópicos, área que se estende do sul do México até o norte da Argentina.
No mar do Caribe e no golfo do México, estão suscetíveis principalmente a furacões, enquanto vulcões, terremotos e tsunamis são as principais ameaças no chamado Anel de Fogo do Pacífico, região com maior atividade tectônica do mundo que inclui a Cordilheira dos Antes e a costa oeste dos Estados Unidos e do Canadá.
“Muitas dessas espécies vivem em locais de alto risco de eventos desastrosos porque foram empurradas para lá depois de terem perdido seus hábitats em florestas que foram desmatadas, por exemplo”, diz Mauro Galetti, professor do IB-Unesp e um dos coordenadores do estudo.
Um exemplo é a rã-foguete-de-quito (Colostethus jacobuspetersi), antes amplamente distribuída pelas regiões norte e central dos Andes, mas agora restrita a áreas em torno do vulcão Cotopaxi, no Equador, que entrou em erupção mais de 50 vezes desde 1738.
Proteção
Os pesquisadores definiram um alto risco para 2.001 espécies, por terem 25% ou mais de sua distribuição em áreas em que ocorreram 1 ou mais dos 4 fenômenos naturais descritos no trabalho. Para 16% dessas espécies, as áreas onde vivem têm 2 ou mais desses eventos com alta incidência.
Outro fator alarmante é que 30% dessas espécies sob alto risco vivem em locais completamente fora de áreas protegidas, enquanto apenas 15% têm um plano específico de conservação.
O Brasil tem apenas duas espécies listadas no estudo:
- a lagartixa-da-areia (Liolaemus lutzae), criticamente ameaçada de extinção, vive na restinga da costa fluminense e entrou para os registros por causa de uma ressaca em 2004 no Rio de Janeiro, considerada um tsunami de magnitude 1;
- o sapo-de-barriga-vermelha (Melanophryniscus cambaraensis), por sua vez, vive nos Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Pode estar sujeito a furacões, como o que ocorreu na região 20 anos atrás, de baixa magnitude.
Dos 4 fenômenos naturais levados em consideração no estudo, apenas os furacões têm relação direta com o aquecimento do planeta. As previsões do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) dão conta de um aumento de eventos extremos como esse.
“Espécies que sobreviveram a eventos naturais do passado podem estar mais propensas a resistir a situações similares. No entanto, adaptações que as ajudaram antes, como dieta generalista, alta capacidade de dispersão e grande número de filhotes, podem não ser suficientes para sobreviver à sinergia entre os eventos naturais e os impactos causados pela humanidade”, afirma Gonçalves, atualmente pós-doutorando na Universidade de Copenhague, na Dinamarca.
Entre as alternativas para mitigar os efeitos sobre as espécies mais ameaçadas, os pesquisadores listam:
- criação de corredores ecológicos para interligar populações isoladas;
- reprodução assistida em cativeiro;
- translocação de populações para áreas seguras em que viviam antes e a conservação tanto em áreas protegidas quanto ex situ –nesses casos, um número de indivíduos passa a viver e se reproduzir em cativeiro para garantir uma reserva genética da espécie, podendo ser reintroduzidos no ambiente em caso de extinção.
O trabalho teve apoio da Fapesp ainda por meio de outros auxílios e bolsas (11/50225-3, 14/18800-6, 15/15172-7, 17/23548-2, 19/00648-7, 21/03868-8, 22/09561-4 e 23/03965-9).
O artigo A global map of species at risk of extinction due to natural hazards pode ser acessado aqui.
Com informações da Agência Fapesp.