O STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria nesta 3ª feira (25.jun.2024) para descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal. Na prática, a conduta não deve se tornar legal, mas não será mais tratada como crime.
A maioria foi formada depois do esclarecimento do ministro Dias Toffoli, que complementou seu voto nesta sessão. Luiz Fux e Cármen Lúcia ainda precisam votar. Eis o placar:
- ministros favoráveis à descriminalização da maconha: Gilmar Mendes (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso (presidente da Corte), Alexandre de Moraes, Rosa Weber (aposentada) e Dias Toffoli;
- ministros contra a descriminalização da maconha: Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques.
Na 5ª feira (20.jun), quando o julgamento foi retomado, Toffoli havia apresentado um novo entendimento. Segundo o ministro, a lei sobre porte de drogas não tem efeito penal e, sim, administrativo.
No entanto, depois de dúvidas quanto ao seu posicionamento, o magistrado explicou na sessão desta 3ª feira (25.jun) que votou pela descriminalização. Portanto, seu voto foi somado à corrente da maioria.
Toffoli voltou a dizer que entende pela constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (objeto em discussão no Supremo), mas que considera que o trecho nunca penalizou o usuário ou o porte para consumo pessoal. Sugeriu, também, que fosse alterado um entendimento do próprio STF, de 2007, para que a conduta não acarrete antecedentes criminais.
No julgamento, a Corte também analisa os requisitos para diferenciar uso pessoal de tráfico de drogas, um dos pontos centrais da discussão no Tribunal. O entendimento de alguns ministros para tal diferenciação variam de 10 a 60 gramas.
Já Edson Fachin disse que cabe ao Congresso definir essa questão, enquanto Toffoli defende que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deve apresentar os parâmetros em até 18 meses. Ainda não há definição sobre esse ponto.
Atualmente, a Lei de Drogas determina que a definição ficaria a critério do juiz –o que, segundo alguns ministros do Supremo, abre brechas para o enquadramento de pessoas a partir de vieses parciais, e por vezes, discriminatórios com base na cor da pele de indivíduos.
DESCRIMINALIZAÇÃO x LEGALIZAÇÃO
O que se discute no julgamento é a descriminalização do porte da maconha, ou seja, ao descriminalizar a conduta, deixa de ser tratada como crime e não acarreta, por exemplo, na perda do réu primário para quem for flagrado com a quantidade definida pela Corte para enquadramento em uso pessoal.
No entanto, a conduta seguirá ilícita, já que a maconha ainda consta presente na lista de substâncias de uso proibido pela Anvisa.
Já a legalização significa que ato ou conduta passou a ser permitido por meio de uma lei, que regulamenta a prática.
No julgamento, o presidente do STF, Roberto Barroso, voltou a dizer que o STF não está legalizando a substância.
“O Supremo não está legalizando drogas, mantendo o consumo como comportamento ilícito, que fique claro”, declarou.
O JULGAMENTO
A ação julgada pela Corte questiona o artigo 28 da Lei das Drogas (11.343 de 2006), que trata sobre o transporte e o armazenamento para uso pessoal. As penas previstas são brandas: advertência sobre os efeitos, serviços comunitários e medida educativa de comparecimento a programa ou curso sobre uso de drogas.
O debate no STF tem como base um recurso apresentado em 2011 pela Defensoria Pública. O órgão questiona uma decisão da Justiça de São Paulo, que condenou um homem pego em flagrante com 3 gramas de maconha a prestação de serviços a comunidade.
Os ministros não tratam sobre o de tráfico de drogas, que tem pena de 5 a 15 anos de prisão e permanecerá ilegal.
O tema foi para o Supremo em 2015, mas ficou paralisado por pedido de vista do então ministro Teori Zavascki, que morreu em um acidente aéreo em 2017. Ao assumir o lugar deixado por Teori, Moraes herdou o caso e o liberou para votação em novembro de 2018.
Agora, o julgamento está sob a relatoria de Gilmar Mendes.
TENSÃO COM O CONGRESSO
A análise do tema foi um dos pontos primordiais para a tensão instaurada entre Legislativo e Judiciário. O tema em julgamento vem de encontro com a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre Drogas (45 de 2023) aprovada pelo Senado e pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados.
A PEC insere no artigo 5º da Constituição a determinação de que é crime a posse ou porte de qualquer quantidade de droga ou entorpecente. O texto ainda precisa passar por comissão especial.
Segundo o advogado Rodrigo Melo Mesquita, o julgamento ser pautado neste momento pelo STF não é uma resposta ao projeto do Congresso, mas a aprovação da PEC certamente é.
“O Supremo está atrasado em julgar o caso [iniciado em 2015]. A PEC certamente é uma resposta ao julgamento que o Supremo está fazendo”, afirmou.
André Mendonça, que votou contra a descriminalização, afirmou que o STF está “passando por cima do legislador” ao continuar com a maioria favorável. O entendimento do STF ao julgar a questão se baseia em uma omissão do Congresso em diferenciar a situação de porte e tráfico.
Os senadores incluíram no texto que tramita no Congresso um trecho para diferenciar usuário de traficante. No entanto, não há critérios claros de como seria feita a diferenciação, o que é alvo de críticas de congressistas contrários à proposta.
A expectativa, segundo Mesquita, é de um embate contínuo por meio de ações de controle concentrado no STF se aprovado o novo texto constitucional pelo plenário da Câmara.
O advogado afirmou ainda que “assim como o Congresso tem competência para legislar o assunto, o Supremo tem competência para decidir a respeito da constitucionalidade dessa norma” se for acionado para o feito.