O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva é o novo articulista do Poder360. Ele escreverá para o jornal digital quinzenalmente, sempre às quintas-feiras. Seu texto de estreia, sobre o que se pode esperar dos debates nas eleições de 2024 dos EUA, foi publicado na 5ª feira (27.jun.2024)
Lins da Silva tem larga experiência em cobertura internacional. É integrante do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional do IRI-USP (Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo).
O jornalista fez uma rápida análise do último debate entre Joe Biden e Donald Trump, realizado na noite de 5ª feira (27.jun). Diz que o evento deixou clara ao público norte-americano a fragilidade do atual presidente norte-americano. Eis algumas das impressões de Lins da Silva sobre o debate em entrevista ao Poder360:
Poder360 – O seu 1º artigo no Poder360 diz que debates nos EUA raramente são decisivos. A demonstração de fragilidade do Biden neste último pode fazer com que ele fuja à regra?
Carlos Eduardo Lins da Silva – Acho que sim. O debate foi a exposição do problema que já existia antes: a percepção de que o Biden é uma pessoa idosa demais e sem acuidade cerebral suficiente para ser presidente dos EUA. Não há precedente de um debate em que a inferioridade de um dos candidatos fosse tão ostensiva. Esse debate pode criar uma situação que levaria a uma coisa rara: um integrante de uma chapa presidencial desistir por falta de condições políticas. Houve só 3 precedentes [de candidatos que desistiram no meio da disputa]. Em 1968, foi depois da 1ª primária em New Hampshire. O presidente Lyndon Johnson teve 49% dos votos contra 42% do senador Eugene McCarthy. O resultado foi aquém do que Johnson imaginava. Logo após a primária, anunciou que não concorreria mais. O outro precedente foi em 1952. Antes das primárias, o presidente Harry Truman desistiu depois de ouvir apelos para sair da corrida por ser idoso demais. Imagina, tinha 68 anos. O 3º precedente é de Thomas Eagleton, em 1972. Era candidato a vice-presidente na chapa de George McGovern quando se revelou que Eagleton tinha passado por tratamento psiquiátrico e de eletrochoque na juventude. Depois disso, foi forçado a renunciar. No caso de presidente após as primárias, às vésperas da convenção, nunca houve um presidente que desistisse.
Qual a chance de Biden de fato desistir?
As informações que chegam é que várias altas figuras do Partido Democrata estão pressionando para que ele deixe a disputa. Jornalistas como Paul Krugman e Thomas Friedmann estão pedindo para ele deixar a disputa. A pressão vai aumentar. Acho que a chance é pequena. Parece que Biden é uma pessoa muito teimosa. Mas há situações em que, apesar da teimosia, a pessoa tem de ceder. O Nixon, por exemplo, foi obrigado a renunciar em 1974 depois do escândalo de Watergate. E ninguém mais teimoso que o Nixon. Acho difícil, mas pode acontecer.
E o que acontece?
Pode ser um desastre. Se for antes da convenção [que deve ser realizada de 19 a 22 de agosto], a convenção fica em aberto. E aí vai ser um salve-se quem puder. Várias pessoas se apresentarão como candidatos. Se for depois da convenção, com Biden já formalmente anunciado como candidato, o diretório nacional do Partido Democrata teria de realizar a escolha do seu substituto. Talvez haja algum tipo de acordo para evitar uma convenção fratricida e fazer isso [o anúncio da saída de Biden] depois da convenção. Aí apenas os dirigentes do partido escolheriam quem seria o substituto dele. O natural, se ele desistir, seria ele ser substituído pela vice, Kamala Harris. No entanto, ela não tem uma boa aceitação pública nos EUA. Seria candidata muito fraca à frente do Trump, apesar de ser mulher, negra e jovem. Aí é absoluto chute da minha parte e não deve acontecer: a única pessoa que eu vejo dentro do Partido Democrata em condições de bater o Trump é a Michelle Obama. Ela é extremamente popular, também é negra e jovem, mas já falou que não quer entrar na política.
Do lado do Trump, o que chamou atenção no debate?
O nível das mentiras. Ele inventou coisas absolutamente absurdas, como os imigrantes ilegais estarem sendo hospedados nos Estados Unidos em hotéis de luxo, citou números exorbitantes. O Trump exacerbou nas mentiras. Outra coisa que eu não vi exposta é o fato de que os moderadores foram muito fracos. O Trump disse nos dias anteriores que o debate seria uma emboscada, com moderadores democratas, o que não é verdade. Ele instigou os seus seguidores a atacar os moderadores. E acho que os moderadores acabaram se intimidando e não contestaram nada. O Trump não respondia às perguntas, falava sobre o que queria, e não houve da parte dos moderadores o papel que se espera deles de mostrar para o público que o candidato está mentindo ou não está respondendo às perguntas.
A trajetória do jornalista
Carlos Eduardo Lins da Silva nasceu em 31 de outubro de 1952. Formou-se pela faculdade Cásper Líbero e iniciou a carreira nos Diários Associados. Trabalhou na publicação de 1971 a 1977, sendo correspondente do jornal nos EUA entre 1975 e 1976.
De 1977 a 1982, começou uma carreira mais acadêmica. Foi professor na USP, na Federal do Rio Grande do Norte e em outras faculdades.
Sua 1ª passagem pelo jornal Folha de S.Paulo começou em 1983, como repórter. Logo foi promovido a secretário de Redação (1984-1987) e participou da execução do projeto de renovação da Folha.
O projeto implantou novos sistemas para organização do trabalho de jornalistas e lançou o manual de redação. Acabou levando o jornal a atingir a maior circulação do país. Ele relatou a experiência no livro “Mil Dias: Os Bastidores da Revolução em um Grande Jornal”.
Lins da Silva também atuou na Folha como diretor-adjunto (1988-1989), diretor de recursos humanos (1989-1990), diretor da Agência Folha (1990-1991) e correspondente em Washington D.C. (1991-1999).
Deixou a Folha para participar da fundação do jornal Valor Econômico em 2000, onde foi diretor-adjunto de redação até 2004.
De 2004 a 2008 trabalhou na Patri, que faz assessoria de políticas públicas.
O jornalista teve uma breve passagem como apresentador do “Roda Viva” em 2008. Também em 2008 voltou à Folha para ser o ombudsman do jornal até 2010.
Depois desse período, passou a trabalhar como assessor de comunicação do presidente e da diretoria da Fapesp, cargo que ocupa até hoje.