Atitude da OMS sobre vapes é difícil de entender, diz CEO da BAT

A BAT (British American Tobacco), uma das principais fabricantes de tabaco do mundo, quer se tornar menos dependente do cigarro. É isso o que diz o seu CEO global, o brasileiro Tadeu Marroco, 58 anos, em entrevista ao Poder360.

A empresa estabeleceu como meta até 2035 ter metade do seu faturamento ligado a outros produtos. A maioria é à base de nicotina, como o cigarro eletrônico, o de tabaco aquecido e sachês orais da substância.

As recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) contrárias aos vapes e a falta de regulação em países como o Brasil, que proíbem o produto, são alguns dos obstáculos ao plano. Marroco diz que a OMS simplifica demais o assunto ao equiparar os danos à saúde do cigarro eletrônico aos do cigarro tradicional e que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) está “na contramão do mundo”.

O CEO da BAT cita estudos que mostram danos menores à saúde na comparação entre cigarros eletrônicos e os tradicionais e também em países em que a maior parte da população trocou o consumo de nicotina em forma de cigarro por outros métodos –um exemplo é a Suécia, que consome mais nicotina no formato de sachês.

O empresário credita o aumento de consumo de cigarros eletrônicos pelo público mais jovem em países como os Estados Unidos a empresas irresponsáveis, mas afirma que o problema, no caso dos EUA, foi resolvido depois de intervenção da agência reguladora.

Marroco avalia que uma ação semelhante dos órgãos reguladores no Brasil ajudaria a resolver problemas ligados a produtos ilegais de baixa qualidade. A criação de regras e penalidades impostas a quem infringi-las evitaria que produtos sem controle sanitário e com apelo indevido ao público jovem circulassem em grande volume, como ocorre hoje.

Leia abaixo a entrevista do empresário, que é natural de Niterói e não fuma:

Poder360 – A BAT tem dito que pretende que o cigarro eletrônico seja responsável por 50% do faturamento da empresa em 2035. Como esperam fazer isso?
Tadeu Marroco Na verdade, a meta de 50% inclui todos os produtos diferentes do cigarro tradicional. Entram não só o vape, mas também tabaco aquecido, sachê de nicotina oral e outros produtos orais. Esses produtos representam hoje 17% do faturamento da BAT. O mundo tem 1,1 bilhão de fumantes e 100 milhões são usuários desses produtos diferentes de cigarros tradicionais. E esse grupo cresce de forma exponencial. A BAT adotou uma estratégia de ter um produto competitivo e uma marca global em cada uma dessas categorias ao invés de escolher apenas uma das categorias. Depois de vários anos de inovação, investimentos e de constituição dessas marcas, estamos bem posicionados para nos beneficiar do crescimento de todas essas categorias. Temos a marca líder no mundo na área de sachê de nicotina oral, a marca líder em cigarro eletrônico e um 2º lugar sólido na parte de tabaco aquecido. É isso o que deve constituir a nossa ponte para os 50% daqui a uma década.

O cigarro eletrônico é predominante entre esses produtos, certo?
Dos 100 milhões de usuários desses produtos, 60 milhões são de cigarro eletrônico.

Em quais países e quais faixas populacionais vocês buscam esse crescimento do uso de cigarro eletrônico?
Existe uma relação inversa do consumo de vape com o nível de alcatrão, que indica quão forte são os produtos. No Japão, o nível de alcatrão e nicotina no cigarro tradicional é baixo. Isso faz com que a conversão para o cigarro aquecido seja mais fácil. O cigarro aquecido já representa mais de 40% da nicotina consumida no Japão. No Canadá, é o contrário. O nível de alcatrão e nicotina nos cigarros tradicionais é alto. A satisfação do consumidor não é a mesma, o que dificulta a migração para o cigarro aquecido. Aí tem o vape para complementar.

Além do lado do consumidor, tem o lado regulatório. No Japão, por exemplo, tem restrição a qualquer coisa que contenha nicotina líquida. Isso não acontece em outros países. O vape é hoje regulamentado em mais de 80 países. Ou seja, para responder à pergunta, há vários fatores para analisar do lado regulatório e do lado do consumidor.

O relatório da OMS deste ano mostra a continuidade da redução do tabagismo. É menos gente fumando. Isso leva a uma redução do mercado para vocês, certo?
Existe uma redução, mas não é tão drástica. Uma coisa que essas estatísticas não capturam necessariamente é o crescimento do mercado ilegal de cigarros. Isso acontece em várias partes do mundo. Na África do Sul, 75% do mercado é ilegal. No Paquistão, 50%. No Brasil, já chegou a ser mais de 50%, e hoje está em 36%. Quando se soma o consumo do mercado ilegal com o mercado legal, a redução [do tabagismo] é de mais ou menos 2% ao ano. É um pouco mais forte do que era no passado, quando era de 1% a 1,5%. Acelerar a redução vai depender do lado regulatório. Se tiver uma regulação que propicie ao fumante de hoje ser informado dos benefícios de usar a nicotina com menor risco relativo, você provavelmente vai ter mais oportunidade de migrar esse fumante adulto que prefere continuar usando nicotina nessas novas categorias ao invés de largar o produto. Mas é a regulação que vai definir a velocidade do declínio daqui para frente.

No Brasil, a Anvisa decidiu em 2024 manter a proibição aos cigarros eletrônicos. Como lidam com isso?
O banimento acontece desde 2009. Depois de 10 anos, em 2019, a Anvisa abriu esse processo de revisão que levou 5 anos e chegaram a essa conclusão de manter como está. Com isso, o Brasil está claramente atrasado em relação à maior parte do mundo. Países que serviram de exemplo de leis antitabagistas para o Brasil, como o Canadá, regulamentam o produto. Países como a Nova Zelândia e o Reino Unido estão conseguindo fazer reduções significativas na incidência de consumidores de cigarro [tradicionais] em função da migração para o cigarro eletrônico. O Brasil está na contramão.

A 1ª consequência é que você está privando os 22 milhões de fumantes do Brasil de uma alternativa de menor risco. Há um estudo publicado pelo King’s College em setembro de 2022 compilando mais de 400 pesquisas, que não foram produzidas pela indústria [tabagista], comprovando que há uma redução de 95% de nível de risco.

A 2ª consequência é que, com a não regulamentação, você ignora que esse produto está amplamente disponível no mercado brasileiro. Você vai para a balada, para a praia, esse produto está acessível ao menor de idade. A incidência hoje de pessoas de 16 a 17 anos usando os produtos é mais ou menos de 1 jovem a cada 5. Você tem 2,9 milhões de adultos usando vape. E mais de 6 milhões já foram expostos de alguma forma. Isso vai continuar crescendo. A falta de regulamentação faz com que você não tenha nenhum controle sanitário ou toxicológico desse produto. Há uma exposição da população a produtos mais nocivos.

A 3ª consequência é do lado da tributação. A Fiemg [Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais] estima que R$ 3,4 bilhões só de impostos federais poderiam ser arrecadados [o estudo foi encomendado pela BAT do Brasil]Não tem ninguém ganhando com isso [a proibição], só as gangues ilegais.

O cigarro eletrônico traz danos à saúde. Há nicotina, uma substância viciante e que traz problemas circulatórios, e há outras substâncias estudadas e questionadas. Uma das preocupações da Anvisa é que o bem-sucedido programa para reduzir o tabagismo seja revertido com os vapes, que têm apelo ao público mais jovem. Não há esse risco?
Se você não regulamentar, a possibilidade de isso a correr é alta. Quando há falta de regulamentação, a oferta de sabores apelativos para adolescentes é alta. Quando você coloca chocolate, bubble gum e níveis de açúcar demasiados, isso é apelativo para o adolescente. No caso de um produto regulamentado, você nunca deveria ter isso porque é determinado que é um produto feito para um adulto.

A gente viu isso nos Estados Unidos. Eles não regulamentaram o produto e tinha uma empresa que começou a direcionar o produto aos adolescentes. Chegou a 30% de incidência de uso nos adolescentes. Aí tiveram os casos de Evali [lesão pulmonar associada ao uso de vape]. Houve uma epidemia de casos de Evali nos EUA entre 2019 e 2020. O que era o Evali? Era o mau uso do vape. Eles simplesmente pegavam acetato de vitamina E, juntavam com THC [princípio ativo da maconha] e colocavam isso dentro de um cartucho de vape. Depois disso, o CDC [Centro de Controle de Doenças, dos EUA] identificou o problema, regulamentaram, e a incidência de uso de vape entre os adolescentes caiu para 10%. Se não regulamentar é que acontece o problema.

Temos no Brasil cigarro tradicional legalizado, regulamentado e controlado. E continua havendo 36% de contrabandeados sem nenhum tipo controle. Ou seja, a regulamentação não resolveu esse problema. Por que regulamentar o cigarro eletrônico seria diferente? Não continuaria existindo esse mercado ilegal e, além dele, um novo mercado, aumentando ainda mais o número de consumidores?
Isso não é só no Brasil. Toda regulamentação tem que vir com penalidade. A França identificou que o dispositivo descartável tem apelo maior. Eles resolveram banir. Definiram uma multa de 100 mil euros para aqueles pontos de vendas que forem pegos vendendo o produto descartável. Isso vale para qualquer outro país. Você tem que ter consequências para quem estiver infringindo a lei, para que o custo-benefício não valha a pena. Mas a não regulamentação não te dá a oportunidade de endereçar o problema.

Da última vez que estive aqui [no Brasil], comentaram que a Austrália tinha um modelo excelente porque começaram a pedir prescrição médica para usar o cigarro eletrônico. Na última semana, derrubaram isso no Congresso na Austrália. O pessoal estava ligando para os médicos, que nunca tinham tempo de atendê-los para prescrever. Além disso, tem um mercado ilegal lá vendendo esse produto a torto e a direito. A situação no Brasil é essa: evita de ter produtos que tem controle sanitário e toxicológico de uma forma não apelativa ao adolescente. Apoiamos o projeto de lei da [senadora] Soraya Thronicke, embora não tenhamos nenhum envolvimento direto nele, porque endereça esses problemas.

A OMS reclama que a indústria de cigarros inunda o mercado de produtos não regulamentados e depois paga as penalidades. Ou seja, cria o mercado consumidor de um produto viciante e, depois disso feito, mesmo pagando multas, os consumidores já estão dispostos a consumir outros produtos similares. A organização diz que a venda de sabores infantis nos cigarros eletrônicos faz parte disso.
Existem empresas responsáveis e não responsáveis, como em qualquer setor da economia. O que a gente vê no mercado de cigarro eletrônico é que existem centenas de empresas, principalmente chinesas, que estão inundando, sim. É muito diferente de uma empresa como a BAT. Nós lidamos com produtos legais, mas controversos, e que são nocivos à saúde, claramente. Por décadas, a gente foi desafiado a encontrar uma forma de lidar com isso. Como você disse, a nicotina não é inócua. Ela é aditiva e aqueles que têm problema cardiovascular não devem fazer o uso. Mas não é a nicotina a maior responsável pelas mortes causadas pelo tabagismo. O responsável é a combustão do tabaco.

A gente nunca conseguiu encontrar a solução para isso até mais ou menos 10 anos atrás, quando essas tecnologias começaram a ficar disponíveis. A gente está criando uma alternativa menos danosa para esses fumantes que não conseguem ou não querem parar de fumar. Na Suécia, por exemplo, a grande dominância é de produtos de nicotina sem combustão. São sachês de nicotina oral. A ponto de a Suécia estar sendo considerada, provavelmente ainda este ano, o 1º país da Europa a ficar livre do tabagismo. Ou seja, 5% ou menos da população adulta fumando. O consumo de nicotina não diminuiu, mas foi mudado para esses produtos. Com isso, a incidência de câncer de pulmão da Suécia reduziu pela metade e a incidência per capita é a menor da Europa. Isso são evidências.

A atitude da Organização Mundial de Saúde é difícil de entender. Eles têm essa forma simplista de dizer que esses produtos são tão ruins quanto o cigarro tradicional. A ponto de a [publicação científica] Lancet, aquele jornal prestigiado… vir em fevereiro com uma crítica bem forte com relação à postura da organização. Dizendo que a atitude deles é insana, dizendo que deveriam estar utilizando a estratégia de redução de tabaco como um ponto central para lidar com o problema do cigarro no mundo, e não ficar simplificando a discussão [trata-se, na verdade, de um artigo opinativo publicado no jornal contra a OMS, sem o uso da palavra “insana”].

O senhor não acha o próprio histórico da indústria de cigarros prejudica? Na década de 1950, as empresas tentaram esconder evidências científicas de que o produto fazia mal. Mesmo recentemente, há uma série de práticas que fogem da lei. A BAT, por exemplo foi multada em US$ 110 milhões na Nigéria no ano passado por infringir práticas regulatórias e em US$ 650 milhões nos EUA por tentar furar as sanções para vender cigarro à Coreia do Norte.
Olha, não vou menosprezar esse ponto. Acho que existe um ponto aí. É por isso que o que a gente está tentando fazer na BAT é ter é evidências científicas. A gente tem gasto muito dinheiro em ciência. A gente quer disponibilizar a partir de setembro deste ano uma compilação de todos estudos científicos feitos por terceiros que fazem esse ponto. À medida que o tempo vai passando, mais e mais você vai ter mais dados como esse que eu estou me referindo com relação a Suécia ou a Nova Zelândia, que regulamentou o cigarro eletrônico em 2020 e já tem uma redução de 40% da incidência de fumantes por conta disso.

A BAT tem investido também em produtos sem nicotina. É um plano B caso não consigam ter um cenário de regulamentação favorável ao cigarro eletrônico?
Em 10 a 20 anos, imaginamos que a BAT será uma empresa lidando com estimulantes e bem-estar. A nicotina vai ser mais um dos estimulantes, não vai ser o único. Fizemos um investimento mais recente naquela Mais Mu [suplementos alimentares]. E temos produtos que não são apenas energéticos, mas também relaxantes. Isso não é o foco hoje da empresa, mas é claramente uma tentativa de estabelecer uma base que a gente pode construir ao longo do tempo, uma oportunidade de negócio futuro. A gente também oferece produtos com conteúdos menores de nicotina e até zero nicotina.

O senhor mencionou regulamentação de outros países liberando produtos, mas há exemplos de regras mais duras sendo discutidas, como atualmente acontece na Inglaterra, que tenta banir a venda para todo mundo que nasceu depois de 2009.
Isso está sendo discutido só para o cigarro tradicional. A Inglaterra tem regras super em linha com os vapes. Essa ideia apareceu 1º na Nova Zelândia. Quando mudou o partido que governa, o novo partido entrou e viu que não faz sentido. Imagina chegar num ponto de venda um sujeito com 34 anos e outro com 35. E aí pedir a identidade para diferenciar um do outro. A chance de que isso vá simplesmente aumentar a venda ilegal do produto é enorme. O que a Inglaterra quer mesmo regular nos vapes são os dispositivos descartáveis, como fez a França. Mas eles não querem mudar a tendência do cigarro em direção ao vape.

Vimos em 2023 uma queda de valor de mercado das 5 principais fabricantes de cigarro. Como deve ser o mercado daqui para frente?
A indústria como um todo tinha um algoritmo financeiro muito fácil de entender. Você estava lidando com um produto que reduzia [a venda] ano após ano em termos de volume. E isso era mais do que compensado pelo aumento de preço, então a sua receita subia. E aí você fazia uns ajustes na estrutura de custo, chegava a um determinado lucro em que todo mundo entendia bem o mercado. Quando vem uma mudança como essa [cigarros eletrônicos e outros produtos], se pergunta quem vai ser o líder desse setor. A gente está nesse momento de transição e é natural que analistas e investidores fiquem querendo entender melhor esse algoritmo.

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