Produtos da América Latina preocupam agricultores europeus

A mobilização em massa dos agricultores europeus, que encheu as estradas de várias cidades europeias, tem sido, em parte, um protesto contra os acordos comerciais de uma União Europeia que exige elevados padrões sociais e ambientais, ao mesmo tempo que permite a entrada de alimentos produzidos sem eles e que custam menos.

Não é por causa da soja sul-americana de que os europeus tanto precisam para sua pecuária: é pela carne bovina da Argentina, o frango do Brasil, os morangos do Peru e os mirtilos do Chile.

No Parlamento Europeu, o comissário europeu de Economia e Comércio, Valdis Dombrovskis, defendeu os acordos comerciais como uma grande oportunidade para as exportações.

Com um crescimento médio anual de 6%, a União Europeia, com seus 27 países-membros, é a maior exportadora de produtos agrícolas e a 3ª importadora, atrás somente de China e Estados Unidos. Na balança comercial, só o Brasil está acima.

Mesmo assim, agricultores temem pela concorrência desleal representada, por exemplo, por produtos originários da América Latina.

Segundo um estudo de impacto da Comissão Europeia de outubro de 2023, o setor agrícola e alimentar se beneficiou do acordo com os países andinos Colômbia, Peru e Equador, em vigor desde 2012.

No caso dos países da América Central, um acordo vigente desde 2013 proporcionou um aumento de 31% nas importações europeias provenientes desses países, principalmente de frutas, verduras e açúcar.

Padrões duplos para europeus e Sul Global?

O que parecia uma iminente conclusão de acordo com países do Mercosul despertou uma onda de protestos”, afirma Anna Cavazzini, presidente da Comissão do Mercado Interno e da Proteção do Consumidor do Parlamento Europeu e eurodeputada pela Alemanha.

“Os acordos comerciais da UE criaram problemas, de fato, tanto para os agricultores europeus, como para os da América Latina. Os europeus têm razão ao dizer que aqui há cada vez mais regulamentações – para pesticidas, por exemplo – e temem não poder competir com produtos de outros países que não as possuem, nem as contemplam nos seus acordos comerciais.”

Por outro lado, Cavazzini lembra que “a União Europeia paga subsídios agrícolas maciços – seja a pequenos ou grandes produtores – que colocam agricultores do Sul Global em desvantagem estrutural”.

“Seja soja, carne, frutas, peixe ou óleo: os produtores europeus protestam nas ruas contra  a incoerência e o duplo padrão da UE, que lhes impõe maiores exigências em termos de sustentabilidade na produção, mas que aceita sem problemas a importação de produtos com padrão zero ou mínimo”, diz Luciana Ghiotto, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicasda Argentina.

Carne latina, não, leite em pó europeu, sim?

“Com o objetivo de rentabilidade, fechamos os olhos aos efeitos ambientais, sociais e de saúde que permanecem no Sul Global”, declara Ghiotto.

“A Colômbia é um bom exemplo: o mercado local deverá ser preenchido com produtos lácteos vindos da União Europeia – especialmente fórmulas infantis e leite em pó –, enquanto pequenas unidades familiares leiteiras, sem subsídios para produzir, não conseguem competir nesse mercado. Algo semelhante aconteceria com o acordo do Mercosul, caso fosse assinado”, acrescenta.

De qualquer modo, Valdis Dombrovskis defende os benefícios dos acordos comerciais e, apesar dos protestos em massa e da retumbante recusa francesa, não considera morto o acordo com o Mercosul.

“Devemos ter em mente que este não é um acordo comercial, mas vários: com a Nova Zelândia, o Canadá, a América Central e possivelmente com o Mercosul. A soma deles afeta a competitividade dos produtores europeus”, diz Cavazzini.

Contudo, “as associações de agricultores sempre votaram a favor dos acordos comerciais, porque querem exportar”, declara.

“É hipocrisia dizer que não querem carne bovina do Mercosul, mas querem exportar seu leite em pó.”


Com informações da Deutsche Welle.

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