Moraes suspende julgamento sobre novos cursos de medicina

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), pediu vista (mais tempo de análise) e suspendeu o julgamento que decidirá as regras para criação de novos cursos de medicina no Brasil. O caso voltou ao plenário virtual da Corte nesta 6ª feira (9.fev.2024) depois de ficar travado por mais de 4 meses. 

A Corte julga duas ações sobre o tema: a ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) 81 e a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 7187. O alvo é o artigo 3º da Lei do Mais Médicos, sancionada em 2013, que estabeleceu como política pública a priorização da abertura de vagas de cursos de medicina em regiões com menor concentração de médicos por habitante.

Em uma das ações, a Anup (Associação Nacional de Universidades Particulares) alega que as decisões judiciais não aplicam a exigência de chamamento público para abertura de vagas. Já a ADI apresentada pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras argumenta que elas violam o princípio da livre iniciativa e livre concorrência. 

Em decisão liminar de agosto de 2023, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, determinou que novas vagas de cursos de medicina em instituições particulares só poderão ser criadas se atenderem aos requisitos estipulados pela Lei do Mais Médicos (12.871 de 2013).

Segundo Gilmar, novos cursos de medicina “já instalados” por “força de decisões judiciais que dispensaram o chamamento público e impuseram a análise do procedimento de abertura do curso de medicina ou de ampliação das vagas em cursos existentes” não serão afetados.

A decisão foi levada ao plenário virtual do STF para referendo dos demais magistrados em agosto, mas o julgamento foi interrompido 3 vezes por pedidos de vistas dos ministros Luiz Fux, André Mendonça e Moraes. Enquanto isso, a liminar segue válida. 

VOTOS 

“Observo que a sistemática do chamamento público mostra-se adequada para o objetivo colimado pelo Poder Público. A política estatal indutora faculta a instalação de faculdades de medicina em regiões com reduzida oferta de médicos e serviços de saúde, vinculando a atuação econômica dos agentes privados à finalidade pública de melhoria dos equipamentos públicos do Sistema Único de Saúde”, diz trecho do voto do relator. Eis a íntegra (PDF – 317 kB). 

“Como se vê, a política do chamamento público apresenta impacto imediato na descentralização dos serviços de saúde, na medida em que a própria instalação da faculdade resulta na injeção de recursos financeiros e humanos na infraestrutura de saúde local.” 

Eis o resumo do que decidiu Gilmar Mendes:

  • novas vagas de cursos de medicina já instalados – estão mantidas;
  • processos administrativos que estão na Justiça por força de decisão judicial e ultrapassaram a fase inicial de análise documental (leia mais abaixo) – terão continuidade, mas todos os envolvidos terão de observar se o novo curso de medicina ou as novas vagas de curso já existente atendem integralmente o que diz a lei do Mais Médicos;
  • processos administrativos que não passaram da fase inicial de análise documental – estão suspensos.

O ministro Fux acompanhou o voto do relator. O ministro Edson Fachin abriu divergência por não concordar com a possibilidade de manter a tramitação dos processos já instaurados por decisão judicial. Ele defende que os processos administrativos pendentes sejam extintos.

“Acaso mantidos os processos administrativos ora em tramitação, há potencial abertura de cerca de 50% mais cursos de medicina além daqueles já em funcionamento no país”, diz trecho do voto de Fachin. Eis a íntegra (PDF – 142 kB). Esse voto foi acompanhado pela ministra Rosa Weber, que se aposentou em setembro de 2023. 

André Mendonça votou nesta 6ª feira pela suspensão de todos os processos que pedem a abertura de novos cursos de medicina até que seja feita uma nova análise da Lei do Mais Médicos. O ministro solicitou que o Ministério da Educação avalie os instrumentos regulamentadores da política pública em até 180 dias e pediu a criação de um grupo de trabalho com participação da sociedade civil para revisar o impacto da Lei dos Mais Médicos.

O objetivo, segundo Mendonça, é promover um “segundo olhar” sobre a legislação. “A redefinição da política pública deverá estar fundamentada em prévia avaliação de impacto regulatório, com base nos melhores indicadores para o ensino médico, assegurando-se a efetiva participação dos grupos da sociedade civil diretamente interessados ou potencialmente impactados pela política pública em questão.” 

“Entendo necessário determinar que sejam suspensos os pedidos e procedimentos administrativos e judiciais que objetivem a abertura de novos cursos — ou ampliação de vagas naqueles já existentes — até que sejam ultimados os trabalhos necessários à reanálise regulatória acima determinada”, diz trecho do voto. Eis a íntegra (PDF – 635 kB).

ENTENDA A DISPUTA JUDICIAL

O Poder360 preparou um histórico para explicar o caso em 9 pontos:

  • 1 – Em 2013, a Lei do Mais Médicos estabelece que o governo adotaria como política pública priorizar a abertura de vagas de cursos de medicina em regiões com menor concentração de médicos por habitante. O programa buscava levar profissionais para locais do interior do Brasil com carência de médicos.
  • 2 – De 2013 até 2021 (último ano com dados disponíveis), o número de calouros nos cursos de medicina mais do que dobra: passa de 18.960 para 43.286.

  • 3 – Depois da lei de 2013, a concentração de estudantes nas maiores cidades cai.

  • 4 – Com o aumento no número de médicos e crítica à baixa qualidade de algumas faculdades privadas, o governo Michel Temer (MDB), em 2018, institui uma moratória (íntegra – 353 KB). Proíbe novas vagas de cursos de medicina por 5 anos. A moratória determina que, nesse intervalo, haveria uma avaliação da política pública.
  • 5 – Com a demora no início da avaliação, algumas faculdades passam a entrar com liminares na Justiça, pedindo a criação ou a ampliação do número de vagas em cursos de medicina, sob o argumento de que o governo está cerceando a iniciativa privada.
  • 6 – Decisões judiciais concedem mais de 1.000 vagas em liminares e provocam uma corrida judicial de faculdades pedindo para aumentar a oferta. Levantamento da Anup estima que, se todos os pedidos fossem concedidos, 20.000 novas vagas seriam criadas.
  • 7 – As liminares permitem que novas vagas sejam criadas em qualquer cidade, inclusive em regiões onde já existem muitos médicos, o que vai contra o espírito da Lei dos Mais Médicos. Grupos educacionais que investiram na abertura de cursos em regiões menos populosas (e de menor interesse comercial) passam a se sentir prejudicados.
  • 8 – Em junho de 2022, ação protocolada pela Anup no STF pede a constitucionalidade da Lei do Mais Médicos para evitar a abertura de vagas em cursos de medicina com liminares. O processo ainda está em curso.
  • 9 – Em 5 de abril de 2023, acabam os efeitos da moratória. O governo Lula publica uma nova portaria no dia seguinte. O novo documento permite a abertura de cursos de medicina, mas reforça os critérios de localização enunciados na Lei do Mais Médicos.
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