O Brasil terá uma janela de oportunidades com a transição energética e poderá avançar e liderar essa agenda ao mesmo tempo em que terá espaço para expandir a produção de petróleo e gás natural. É o que mostra o estudo “Cenários Sketch”, realizado pela Shell, analisando 2 cenários potenciais para a transição energética no país nos próximos anos. Eis a íntegra do resumo do estudo (PDF – 8 MB).
Na próxima década, os 2 cenários analisados mostram que, à medida que o país avança em direção à meta de zerar emissões líquidas, há expansão no setor de petróleo e gás. E o Brasil poderá atingir esse objetivo em 2050 ou no máximo até 2062, desde que promova mudanças no uso do solo, como combate ao desmatamento.
Ao Poder360, o presidente da Shell no Brasil, Cristiano Pinto da Costa, explicou que os 2 cenários analisados não são projeções, mas visões possíveis de mundo com ênfase na transição e segurança energética. Depois de realizar esse estudo a nível global, a Shell lança nesta 5ª feira (20.jun.2024) pela 1ª vez os cenários com foco no Brasil.
Resumidamente, os conceitos dos 2 cenários são:
- Cenário 1 (Arquipélagos) – o mundo consegue chegar a emissões líquidas zero somente em 2062, com mais dificuldades se apresentando para isso e com uma velocidade da transição energética mais lenta;
- Cenário 2 (Sky 2050) – o mundo consegue chegar a emissões líquidas zero até 2050, numa transição energética mais célere, desde que haja uma colaboração sem precedentes entre governos e setor privado.
Um consenso entre os 2 cenários é o principal vetor para promover o fim das emissões líquidas de gases estufa. Atualmente, a prática lidera as emissões de carbono no país. Também será necessária uma agricultura de baixo carbono, com práticas para o armazenamento de carbono no solo.
“Diferentemente do que foi visto em outros países, aqui no Brasil vimos que a grande maioria das emissões de carbono não são oriundas da indústria de hidrocarbonetos. Ela vem primordialmente do desmatamento, que responde por mais ou menos 50% das emissões, e depois 25% ou 30% associada ao uso da terra”, explica Cristiano.
O executivo da Shell explica que o Brasil parte na frente do mundo na transição energética e para zerar as emissões, considerando que a matriz nacional é mais limpa que em outros países. Para consolidar essa vantagem, segundo ele, uma das primeiras coisas que o país precisará fazer é “conseguir entregar o comprometimento público que foi feito de acabar com o desmatamento até 2030”.
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Atacando os maiores problemas para as emissões, os cenários mostram que há um espaço para o Brasil avançar na produção de petróleo e gás ao mesmo tempo que promove uma transição, dando segurança energética ao país para suprir a demanda nas próximas décadas.
Ambos os cenários mostram que a produção de petróleo bruto no Brasil deve saltar dos atuais 3 milhões de barris diários para 4 milhões em 2035. E esse volume pode atingir 5,7 milhões de barris em 2050, no cenário 1, com aumento do consumo interno de energia e maior demanda global para exportações.
Quando o Brasil atingir zero emissões líquidas de carbono, em ambos os cenários, o uso de combustíveis fósseis no sistema energético doméstico deve diminuir para menos de 25% em comparação com 2023. Ainda assim, continuarão sendo parte relevante da matriz energética pelo menos até 2050.
“O mundo, apesar de reconhecer os desafios climáticos e que precisa acelerar a transição, tem uma realidade de que é muito difícil desconstruir um sistema que foi montado nas últimas décadas, que supre a energia que a gente tem hoje via hidrocarbonetos, numa velocidade tão rápida para outras fontes de energia de forma competitiva. Por isso o mundo vai continuar necessitando de hidrocarbonetos durante décadas”, diz Cristiano.
Segundo o presidente da Shell no Brasil, o país precisa encarar esse horizonte como uma oportunidade. A expansão da exploração de óleo e gás, além de garantir a segurança energética, poderá ajudar a financiar investimentos na transição, fortalecer a balança comercial do Brasil e contribuir com o avanço do acesso à energia no país, criando mais empregos.
“Porque é uma oportunidade? Porque o Brasil já está mais avançado do que outras economias, porque o grande o grande percentual de emissões do Brasil não está associado com hidrocarboneto e sim com o uso da terra, desmatamento e práticas de agricultura. O Brasil tem uma oportunidade de progredir em todas essas frentes”, afirma.
Cristiano continua: “Às vezes a gente erra um pouco no debate de achar que a transição energética é fazer 100% de uma coisa e 0% da outra. Por isso é chamado de transição, e não ruptura energética. Vamos andar com velocidades diferentes, dependendo do país. O Brasil tem a oportunidade de continuar avançando no renovável, no biocombustível, na exploração e produção de óleo, no mercado de carbono. Tudo isso pode andar em paralelo”.
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EXPANSÃO DA BIOENERGIA
Ambos os cenários estudados mostram que a demanda por eletricidade crescerá no Brasil. Isso acontecerá à medida que avançar a eletrificação da matriz de transportes e a indústria aumentar o uso de energia, incluindo para aquecimento direto e indireto via produção de hidrogênio.
Na comparação com 2023, os cenários mostram que a demanda nacional por eletricidade pelo menos dobrará até meados de 2040 e triplicará depois de 2060. Essa demanda futura tende a ser amplamente atendida pelas fontes eólica e solar, com uma capacidade total aumentando entre 200 e 300 gigawatts até meados do século.
No cenário 1, o Brasil chegará a 2050 com uma produção de óleo e gás total próxima da atual. A bioenergia, que inclui os biocombustíveis e o biometano, e as fontes eólica e solar devem dar um salto de participação. Já no cenário 2, a demanda por fósseis cairá, sendo suprida basicamente por eletricidade gerada pelas fontes renováveis.
Segundo Cristiano, ambos os cenários evidenciam que a bioeconomia e os biocombustíveis terão um papel mais relevante no futuro do que atualmente. Naturalmente, isso abrirá uma janela de oportunidades para a indústria nacional.
“Vemos o crescimento dos biocombustíveis numa taxa razoável no Brasil, enquanto a taxa de crescimento global é duas vezes mais alta. Ou seja, tem uma oportunidade para o Brasil, que já tem uma indústria bem robusta, de crescer ainda mais para suprir as demandas não só do Brasil, mas do mundo. e também usar potencialmente o etanol com uma rota de descarbonização de setores difíceis de serem descarbonizados, como por exemplo aviação”, afirma.
Apesar do avanço das renováveis, ambos os cenários consideram ainda o reinício do programa nuclear brasileiro, com a conclusão da usina de Angra 3, para atender as necessidades de carga básica de energia. Já a energia gerada por hidrelétricas migrará para um papel de balanceamento e controle do sistema.
O hidrogênio, por outro lado, tende a se tornar um vetor energético na década de 2030, com uma adoção precoce no setor de transporte pesado. No cenário 2 (Sky 2050), a produção de hidrogênio a partir de energia renovável, o chamado hidrogênio verde, será dominante no país.