Apesar de esquerda unida, direita segue maior ameaça a Macron

Em um pronunciamento surpresa em 9 de junho, o presidente francês Emmanuel Macron dissolveu o Parlamento e convocou eleições antecipadas para os dias 30 de junho e 7 de julho. A declaração se deu apenas algumas horas depois do histórico crescimento do partido de direita RN (Reagrupamento Nacional) nas eleições europeias.

A convocação de eleições repentinas aparenta ser uma estratégia do líder francês para dificultar a organização da oposição e apresentar aos eleitores um “ultimato” entre ele e a “extrema-direita”. Mas a medida é considerada arriscada: se o Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen repetir seu sucesso nas eleições nacionais, a França poderá enfrentar um cenário de ingovernabilidade, com Macron diante de um parlamento hostil às suas políticas.

“A coalizão centrista da qual Macron faz parte já tem enfrentado dificuldades para se articular com outros partidos de direita, especialmente os Republicanos, e com os partidos de esquerda”, explica Fernanda Brandão Martins, coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, em entrevista ao Poder360.

Depois das eleições legislativas de 2022, o partido de Macron (Renascimento) e seus aliados centristas contam com 245 assentos na Assembleia Nacional, abaixo dos 289 necessários para a maioria absoluta. O partido Reagrupamento Nacional tem 89 assentos, enquanto os Republicanos dispõem de 61. Uma aliança de legisladores de esquerda, incluindo socialistas e verdes, controla 131 assentos. Os assentos restantes são ocupados por grupos menores ou legisladores independentes.

“A tentativa dele é forçar uma votação rápida para evitar uma concertação, principalmente da esquerda ou a direita, contra a coalizão que ele lidera, fortalecendo sua posição como a única figura capaz de conter o avanço da extrema-direita na França”, explica a especialista.

De acordo com Martins, a ascensão da direita e sua habilidade de articulação representam a principal ameaça para a coalizão do presidente nas eleições antecipadas. “Há uma tendência mais forte dentro dos Republicanos de se alinharem com Le Pen”. A especialista, porém, não descarta o fortalecimento da esquerda nas eleições para a Assembleia Nacional.

“Por outro lado, embora a esquerda tenha formado uma frente unida para a próxima eleição ao Parlamento, há uma grande divisão, com os 2 líderes principais da esquerda afirmando que não aceitariam um ao outro como primeiro-ministro, complicando ainda mais a união da esquerda”, explica. A fala é em referência ao antigo candidato presidencial Jean-Luc Mélenchon e o líder social-democrata Raphaël Glucksmann.

Os partidos de esquerda da França anunciaram em 13 de junho a formação da coligação NFP (Nova Frente Popular). O novo grupo será formado pelos seguintes partidos:

  • Partido Socialista (PS);
  • Europa Ecologia – Os Verdes (EÉLV);
  • Partido Comunista da França (PCF);
  • França Insubmissa (LFI).

Para Martins, a esquerda mostra uma aproximação fragmentada, porém com uma inclinação interna crescente para se aliar mais a Macron contra a “extrema-direita”. Ele observa que tanto a esquerda quanto a direita enfrentam desafios, mas a coalizão entre os Republicanos e o partido de Le Pen parece estar mais organizada, representando uma ameaça mais significativa para Macron.

É uma aposta”, diz. “Embora haja a possibilidade de fortalecimento dos partidos de esquerda, se seguirmos a tendência das eleições para o Parlamento Europeu, a extrema-direita tende a se fortalecer ainda mais, podendo até conseguir a maioria na Assembleia Nacional e indicar o primeiro-ministro”, analisa.

Nesse cenário, caso o RN conquiste outra importante vitória depois do 2º turno da votação em 7 de julho, espera-se que Jordan Bardella —que compartilha a liderança do partido com Marine Le Pen— seja indicado como primeiro-ministro.

“Isso tornaria a governabilidade de Macron muito mais difícil, já que ele já enfrenta dificuldades sem a maioria dos assentos. Um primeiro-ministro de extrema-direita, com posições opostas a Macron, dificultaria ainda mais a governabilidade e reduziria as chances de reeleição de Macron em 2027”, explica Martins.

O governo de Macron seria então marcado por uma grande ineficiência, tirando dele a vantagem de ser o presidente incumbente nas próximas eleições. Assim, segundo a especialista, poderíamos ver Le Pen como presidente em 2027.

“Especula-se também se seria do interesse de Le Pen indicar um primeiro-ministro, pois um governo ineficiente poderia manchar a imagem da extrema-direita e enfraquecer o partido para as eleições presidenciais”, diz. “Mas, de qualquer forma, o grande perdedor seria Macron”.

As pesquisas indicam que cerca de 28% dos prováveis eleitores apoiam a Nova Frente Popular, enquanto aproximadamente 31% preferem o Reagrupamento Nacional. Por outro lado, Macron e seus aliados estão abaixo de 20%. A diferença significativa pode impedir a coalizão presidencial de avançar para o 2º turno na maioria dos distritos eleitorais franceses.

“Existe o perigo, presente em muitos países onde a extrema-direita se fortalece, de subestimá-la acreditando que a população não abraçará um discurso mais radicalizado”, conclui a especialista.


Esta reportagem foi produzida pela estagiária de jornalismo Fernanda Fonseca sob supervisão do editor-assistente Ighor Nóbrega.

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