A publicação especializada em publicidade AdWeek veiculou uma reportagem afirmando que um comercial da Coca-Cola pratica o que é conhecido como “greenwashing”. Essa expressão indica uma atitude de usar informações que falam de algum benefício ao meio ambiente, mas que, na realidade, acabam ocultando ações consideradas ruins do ponto de vista ambiental.
O comercial mostra uma série de imagens do logotipo da Coca-Cola escrito em branco sobre um fundo vermelho como se uma lata de alumínio do refrigerante estivesse sendo amassada. Na versão em português, há esta inscrição: “Recicle-me. Coloque-me no cesto”. A peça venceu o Grand Prix na categoria “Print and Publishing”, um dos prêmios mais conceituados do setor e concedido no Festival Internacional de Criatividade, também conhecido como Cannes Lions e que celebra a comunicação comercial e a publicidade em geral.
O comercial foi produzido pela agência Ogilvy (do grupo WPP). No Brasil foi publicado apenas em um jornal impresso, o diário paulista Folha de S.Paulo (tiragem diária de 41.401 exemplares), em uma sequência de 3 páginas e também nas plataformas digitais.
Para a reportagem da AdWeek, entretanto, “nem todo mundo achou que a Coca-Cola arrasou”. Segundo a publicação, “alguns profissionais de marketing e ativistas pró-meio ambiente condenaram a premiação, acusando o festival de dar uma recompensa para a prática de ‘greenwashing’. O argumento é que esmagar latas vai contra algumas orientações dos recicladores e desvia a atenção do impacto geral da Coca-Cola no meio ambiente, sem abordar a questão mais premente da poluição plástica”.
A AdWeek diz ter ouvido de profissionais do setor de publicidade que a premiação para a Coca-Cola contribui para uma “crescente desconfiança” em relação aos prêmios em geral concedidos anualmente em Cannes.
“Alguns dos profissionais de marketing e ativistas pró-meio ambiente presentes ao Festival Cannes Lions entenderam que premiar a Coca-Cola pelos esforços de reciclagem, dada a produção de plásticos descartáveis da empresa e o impacto descomunal na poluição global por plástico, corrói a confiança da indústria nos organizadores”, diz a AdWeek.
A AdWeek entrevistou Jo Balchin, estrategista de sustentabilidade da agência Enviral. “É um anúncio [que coloca] ênfase nas embalagens não tão ruins [da Coca-Cola] em vez de fazer algo significativo sobre os 3 milhões de toneladas de embalagens plásticas que a empresa produz por ano. Não seria revigorante para a Coca-Cola pegar seu vasto orçamento de marketing e investi-lo em soluções melhores de embalagem e desfazer os grandes danos que causou, e depois contar essa história? Seria uma história muito melhor para contar”, afirma Balchin.
A Coca-Cola respondeu à AdWeek sobre esses questionamentos. Fez referência à sua estratégia que promete reduzir o uso de plástico virgem em 3 milhões de toneladas métricas (de 15 milhões para 12 milhões) até 2025. Em 2022, porém, “a empresa não havia reduzido seu uso de plástico virgem, de acordo com seu relatório de sustentabilidade, e a empresa se recusou a fornecer mais atualizações em resposta às perguntas”, relata a AdWeek.
LATAS AMASSADAS
O comercial da Coca-Cola encoraja os consumidores a amassar as latas antes de oferecê-las para reciclagem. Ocorre que essa prática é desaconselhada pela EPA (Environmental Protection Agency), a agência de proteção ambiental dos EUA e também por vários especialistas em reciclagem.
Katie Drews, da Eureka Recycling, falou à AdWeek: “Esmagar latas pode atrapalhar o processo de reciclagem. Usamos processos mecânicos projetados para separar os recicláveis com base em seu tamanho, formato e peso. […] Latas que não mantêm parte de sua dimensionalidade natural podem ser confundidas com papel e outros materiais”.
Essa confusão do material cria um problema, diz Katie Drews. Pode haver contaminação em fardos dos materiais com os quais as latas achatadas são confundidas. E há também perda de material que poderia ser reciclado corretamente, mas acaba sendo descartado.
Para a AdWeek, a vitória do comercial da Coca-Cola em Cannes indica “um sentimento crescente de que a indústria da publicidade em geral não leva a sério a crise climática”. Para Lucy von Sturmer, fundadora e CEO da organização sem fins lucrativos Creatives for Climate, em entrevista para a publicação, “as categorias de premiação em Cannes não evoluíram. Eles ainda têm definições gerais muito vagas sobre o que é impacto [O festival é] um playground para legitimar os negócios como sempre”.