A reforma tributária propõe zerar o imposto sobre a cesta básica. A lista composta por 15 itens (leia abaixo) tem como base um decreto do governo que prioriza alimentos in natura ou minimamente processados na base alimentar brasileira. A diretriz federal é considerada um avanço para especialistas em saúde e nutrição. Sua aplicação na reforma, nem tanto.
“Ter nessa cesta básica alimentos diversos e a inclusão de todos os grupos alimentares é um passo importante para o país”, afirmou ao Poder360 a pesquisadora Renata Levy, da escolas de Saúde Pública e Nutrição da USP (Universidade de São Paulo). “Mas o ideal seria nenhum ultraprocessado entrar”, completou.
Os ultraprocessados são alimentos feitos a partir de métodos industriais dificilmente replicados em casa e ingredientes quase nunca encontrados em supermercados, diz a pesquisadora. Costumam ter aromatizantes, corantes e/ou emulsificantes na sua composição, o que os torna mais atraentes e palatáveis. Refrigerantes, embutidos, doces e cereais matinais são alguns exemplos da categoria alimentar que são parte do dia a dia dos brasileiros, diz.
A pesquisadora associa esses alimentos a uma dieta pobre em nutrientes e a doenças, como diabetes tipo 2. O decreto nº 11.936/24, assinado em março pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para orientar políticas e programas relacionados à alimentação, veda a inclusão dos ultraprocessados nas ações federais. Eis a íntegra (PDF – 210 kB)
Os itens que terão alíquota zerada pela reforma tributária partem da definição estipulada pelo governo, mas com algumas alterações. Segundo o deputado Pedro Lupion (PP-PR), um dos propositores do projeto de lei complementar que estipula a cesta básica da tributária, a composição da lista recebeu “pequenos e merecidos ajustes”. Foram incluídos 2 produtos considerados ultraprocessados: a margarina e a fórmula infantil.
Leia a lista da cesta básica da reforma tributária:
- arroz;
- leite e fórmulas infantis;
- manteiga;
- margarina;
- feijões;
- raízes e tubérculos;
- cocos;
- café;
- óleo de soja;
- farinha de mandioca;
- farinha e sêmolas de milho;
- farinha de trigo;
- açúcar;
- massas; e,
- pão.
Para parte dos especialistas em saúde e nutrição isso é um problema. Médicos, incluindo Dráuzio Varella e os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta (de 2019 a 2020, durante o governo de Jair Bolsonaro) e José Temporão (de 2007 a 2011, durante o 1º e 2º governo Lula), lançaram um manifesto em defesa de que os produtos ultraprocessados em geral sejam alvo do imposto seletivo, assim como o cigarro, as bebidas alcóolicas e as açucaradas.
O grupo afirma que o consumo desses produtos precisa ser desestimulado e associam o barateamento de acesso a esses alimentos ao crescimento de obesidade, diabetes e câncer.
“A tributação das bebidas açucaradas foi um passo, mas nós gostaríamos de que vários ultraprocessados, que têm efeitos negativos associados tanto à saúde quanto ao meio ambiente, que eles tivessem entrado também nessa tributação mais elevada”, diz a pesquisadora Renata Levy.
A cientista faz parte do Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde). O grupo conceituou o termo ultraprocessados nos anos 2000 sob a condução do pesquisador Carlos Monteiro, uma das principais referências no assunto.
PRODUTORES DE ALIMENTOS DISCORDAM
A Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) discorda do conceito e não o utiliza para qualquer tipo de classificação. Seus argumentos principais são:
- é uma categorização ampla – a indústria discorda de que seja possível considerar igualmente danosos todos os alimentos que fazem parte do grupo. Argumenta que embutidos e iogurtes ou biscoitos recheados e fórmula infantil não podem ser comparados. Para o setor uma classificação tão ampla é vazia.
- a tecnologia de alimentos não “ultraprocessa”- a Abia entende que o termo não tem respaldo no campo da tecnologia de alimentos e passa uma impressão incorreta sobre o processo. “É algo caro, você faz o processamento na medida. Parece que foi mais processado do que deveria ser e isso não existe”, diz o presidente da entidade, João Dornellas.
- a indústria cumpre regras sanitárias – o presidente da associação que representa o setor considera que o termo favorece uma ideia de que o alimento traz perigo. “Nós não fazemos nenhum tipo de alimento que seja nocivo para o ser humano. Se assim fosse, as nossas autoridades reguladoras já teriam proibido ele de ser fabricado”.
ALIMENTAÇÃO NACIONAL
A maioria (53,3%) dos alimentos consumidos pelos brasileiros são in natura ou minimamente processados, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) compilados por um estudo da USP (Universidade de São Paulo). Eis a íntegra (PDF – 305 kB).
Os ultraprocessados integram 19,7% da dieta da população. Já os processados ocupam 15,8% do espaço.
A DIETA DO BRASILEIRO
Segundo informações levantadas pela Fundação Rosa Luxemburgo, o custo para se alimentar de forma saudável no Brasil é mais alto do que uma dieta mínima. Eis a íntegra (PDF – 9 MB).
O valor médio para ter uma alimentação com a carga nutricional mínima no país é de cerca de US$ 0,80. Já o da refeição considerada saudável é de US$ 3,10.
O Brasil tem a 2ª dieta mínima mais cara entre as nações do Cone Sul. Está atrás só do Paraguai (US$ 0,90).
Já para alimentação saudável, o Brasil fica em 3º lugar no ranking de custo. À frente, estão Paraguai (US$ 3,90) e Argentina (US$ 3,70).
O Brasil tem 14,5% da população sem acesso a uma alimentação saudável. Tem o 2º pior índice entre os países do Cone Sul.
O brasileiro também lidera a lista de consumo de sódio entre os países da OEA (Organização dos Estados Americanos). O excesso do sal para o país é de 545,9 mg. Em seguida estão Colômbia (491,3 mg) e Uruguai (467,1 mg). Os dados são da OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde). Eis a íntegra (PDF – 970 kB).
Leia abaixo o detalhamento:
O SETOR
A Indústria de alimentos movimentou R$ 1,2 trilhão em 2023, segundo dados da Abia. Esse valor equivale a 10,8% do PIB (Produto Interno Bruto). A divisão dos valores se dá dessa forma:
- mercado interno – R$ 851 bilhões;
- exportações – R$ 310 bilhões.
A associação afirma que o setor criou 350 mil novos postos de trabalho no ano –sendo 70.000 diretos e 280 mil indiretos. O total de pessoas empregadas por causa da indústria soma 1,97 milhão.
Os produtos do setor que são mais consumidos nas casas das famílias brasileiras são:
- carnes, pescados e derivados – 25,1% do consumo total;
- laticínios – 16,5%;
- cereais, chás e cafés – 16,5%
- óleos e gorduras – 9,1%;
- snacks, sorvetes e temperos – 8,5%.
Os Estados do Sul e do Sudeste são aqueles que mais consomem alimentos processados, segundo os dados do IBGE.
O ranking usa como base a contribuição energética na dieta da população das unidades da Federação. O top 5 no consumo de processados é composto por:
- Santa Catarina – 23,2% da energia consumida;
- São Paulo – 22,3%;
- Distrito Federal – 21,7%;
- Amapá – 21,1%;
- Paraná – 20,2%.
O mercado global de alimentos tem 34% de concentração em 10 grandes empresas: