Lula acena a Arce e evita atrito com Evo em visita à Bolívia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faz nesta 3ª feira (9.jul.2024) a 1ª visita oficial à Bolívia desde o início do seu 3º mandato. A visita estava agendada há meses, mas ganhou maior relevância e peso político depois da tentativa de golpe militar contra o governo de Luis Arce (Movimento ao Socialismo – MAS, esquerda). O chefe do Executivo brasileiro deverá, porém, adotar um tom cauteloso em relação ao seu antigo amigo, o ex-presidente Evo Morales, que embora seja do mesmo partido de Arce, é hoje seu principal desafeto político no campo da esquerda.

Lula desembarcou em Santa Cruz de la Sierra, principal polo econômico do país, na noite de 2ª feira (8.jul.2024). Será recebido por Arce nesta 3ª feira com honras de chefe de Estado. Os 2 terão uma reunião bilateral às 11h (horário de Brasília), depois assinarão acordos nas áreas de saúde, energia e segurança pública. Em seguida, devem dar uma declaração à imprensa. O presidente brasileiro participa ainda de encontro com movimentos sociais e com empresários dos 2 países.

A viagem se dá depois da realização da cúpula do Mercosul, em que o país andino foi oficializado como integrante pleno do bloco. O Senado boliviano aprovou o requerimento de adesão em 3 de julho, em uma vitória para o governo Arce. Lula volta à Brasília na noite de 3ª feira.

Dentre os acordos a serem assinados estão:

  • memorando de Jirau: aumento da capacidade da hidroelétrica de Jirau, localizada em Rondônia, para 90 m³/s;
  • protocolo de combate ao tráfico de pessoas;
  • protocolo de saúde: universalização do atendimento na rede pública de ambos os lados da fronteira.

A visita pretende ainda reestabelecer as relações entre os 2 países, enfraquecida durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Luis Arce já visitou o Brasil 4 vezes desde que Lula voltou à Presidência.

POLÍTICA BOLIVIANA

Lula não deverá se reunir com Evo para não causar constrangimentos ao seu anfitrião e para evitar críticas de ingerência na política do país e do MAS. Ainda no Paraguai, disse a jornalistas, porém, que está à disposição para conversar com o ex-presidente boliviano. Ao chegar em Santa Cruz de la Sierra, na 2ª feira, adotou um tom mais ameno. Questionado sobre como poderia resolver o imbróglio entre Arce e Evo, disse apenas que irá se inteirar sobre a política boliviana a partir desta 3ª feira.

“Eu não conversei ainda com Arce, só encontrei com ele, mas não conversei. Amanhã eu vou me dar conta por inteiro de como está a situação política na Bolívia, como está a divergência Evo [e Arce] e quem são os candidatos de oposição. Naquilo que a gente puder ajudar para construir a unidade e fortalecer a democracia, esse eu acho que é o papel do Brasil”, disse.

Já na Bolívia, Lula disse que a tentativa de golpe contra o governo de Arce é “imperdoável”. 

“Graças a Deus o povo boliviano garantiu a democracia e a solidariedade internacional foi muito importante. É inimaginável achar que no 1º quarto do século 21 que vai resolver o problema dando golpe, que militares podem ser a solução. Para quê? A solução está no fortalecimento da democracia, esta na participação da sociedade civil, no voto do povo boliviano. Não existe milagre, o que existe é respeito à democracia, que pode permitir a alternância de poder”, disse.

Logo no início de seu discurso no Mercosul, na 2ª feira, Lula citou a questão e a comparou com o 8 de Janeiro, quando militantes extremistas depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Disse que é preciso “permanecer vigilante”.

“A reação unânime ao 26 de junho na Bolívia e ao 8 de janeiro no Brasil demonstram que não há atalhos à democracia em nossa região. Mas é preciso permanecer vigilantes. Falsos democratas tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários. Enquanto nossa região seguir entre as mais desiguais do mundo, a estabilidade política permanecerá ameaçada. Democracia e desenvolvimento andam lado-a-lado”, disse no discurso.

Em 26 de junho, um grupo de militares liderado pelo general Juan José Zúñiga tomou a praça da capital em uma ação chamada por Arce de “golpe” contra o governo. Um veículo blindado chegou a derrubar o portão de entrada do palácio presidencial.

No dia, Zúñiga disse que os militares buscavam “restaurar a democracia” e pediu a liberação imediata de presos políticos. Após o presidente nomear Jose Wilson Sanchez Velásquez como novo comandante-geral do Exército, os soldados se retiraram dos arredores da sede do governo.

Zuñiga foi preso no mesmo dia pelas autoridades bolivianas. A detenção foi feita na entrada da sede do Estado-Maior, em La Paz. O general foi levado imediatamente para a Procuradoria-Geral. Enfrentará acusações de “terrorismo” e levante armado contra a segurança e soberania do Estado.

Evo disse dias depois que Arce havia “enganado” o povo boliviano e o mundo. Ambos eram aliados políticos, mas se afastaram e atualmente são desafetos.

EVO X ARCE

O atual presidente se elegeu em 2020 com o apoio de Evo Morales, de quem foi Ministro da Economia entre 2006 e 2017 e depois em 2019.

Morales foi presidente da Bolívia durante 13 anos (2006-2019).

No entanto, os 2 se distanciaram ao longo do tempo. Morales começou a criticar a gestão de Arce já no início do governo e mantém ataques constantes mútuos com ministros.

Ao anunciar em setembro de 2023 a intenção de candidatura, o ex-presidente citou nominalmente os ministérios da Presidência e do Governo. Disse que o objetivo do atual governo é entregar a Bolívia aos EUA. Em outra ocasião, também acusou a equipe de Arce de corrupção.

Em dezembro de 2023, o TCP (Tribunal Constitucional Plurinacional) da Bolívia decidiu que presidentes e vice-presidentes do país só podem se candidatar à reeleição ou a um 2º mandato uma única vez.

A decisão afeta diretamente Morales, que se movimenta para voltar à Presidência em 2025. Ele classificou a decisão como uma “conspiração”.

OUTROS TEMAS DO ENCONTRO

Lula deve reforçar a cooperação do Brasil com a Bolívia no combate ao crime organizado. Eis as medidas:

  • treinamento na luta contra o contrabando e o tráfico de pessoas;
  • fortalecimento em gestão migratória;
  • estratégia Brasil-Bolívia de capacitação de personal encarregado da luta contra o narcotráfico.

Os líderes também deve debater temas de infraestrutura, como a revitalização do canal de Tamengo, e de comércio. O governo brasileiro estuda usar um mecanismo que possibilite trocas comerciais na moeda local –o boliviano. A Bolívia passa por uma crise cambial e há falta de dólares em circulação.

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