Desde que a Hungria assumiu a presidência temporária do Conselho da UE (União Europeia), em 1º de julho de 2024, o primeiro-ministro do país, Viktor Orbán, realizou viagens intituladas de “missões de paz”.
Dentre os destinos, o premiê foi a Moscou para discutir com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, medidas para encerrar o conflito com a Ucrânia.
Ele também visitou o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump na 5ª feira (11.jul) e manifestou seu apoio à candidatura do republicano nas eleições do país, que serão realizadas em 5 de novembro.
Além de Rússia e Estados Unidos, Orbán também visitou a Ucrânia e a China para discutir o fim do conflito entre Kiev e Moscou.
Ele afirma que está articulando com líderes mundiais para promover o fim da guerra na Europa.
No entanto, líderes da União Europeia criticaram o premiê húngaro, declarando que ele não representa o bloco externamente e que as viagens realizadas por ele são apenas encontros bilaterais, causando tensões internas no bloco.
As críticas se deram porque as viagens coincidiram com o início da presidência da Hungria no Conselho da União Europeia, instituição na qual os países negociam legislações a serem adotadas pelos integrantes da UE.
Por ser presidente, Orbán fica responsável por coordenar as políticas discutidas no bloco.
Depois da visita a Trump, um porta-voz do ministério das Relações Exteriores da Alemanha disse que a presidência rotativa da Hungria “já causou muitos danos”.
Proximidade com a Rússia
Para Janaina Martins Cordeiro, professora de história contemporânea na UFF (Universidade Federal Fluminense), a neutralidade da Hungria em relação à guerra entre a Ucrânia e a Rússia pode ser entendida como um ato pró-Rússia.
Orbán administra um país muito dependente do gás russo como matriz energética, mas esse não é o único motivo de seu interesse em Moscou.
“O governo Putin tem sido um importante apoio e referência para governos de extrema-direita na Europa. É o caso da Hungria. Sobre a Ucrânia, essa visita é algo bastante novo e está ligada às mais recentes cobranças por parte da União Europeia e da Otan ao país”, disse em entrevista ao Poder360.
A atitude do líder húngaro, o aliado mais próximo do presidente russo dentro da UE, é vista por representantes de países vizinhos como um obstáculo aos esforços do bloco europeu de apoiar a Ucrânia e sancionar Moscou.
Segundo Josep Borrell, Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, órgão responsável por coordenar a política externa do bloco, Orbán não representou o bloco “de nenhuma forma” quando foi à Rússia.
“[A presidência do Conselho da UE] não implica em nenhuma representação externa da União, que é de responsabilidade do presidente do Conselho Europeu no nível de chefe de Estado ou de Governo e do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança em nível ministerial”, afirmou em declaração publicada em 5 de julho.
O Conselho da UE é uma instituição distinta do Conselho Europeu. Informalmente conhecida como Conselho, ela é constituída pelos ministros dos 27 países integrantes do bloco.
Sua presidência é compartilhada entre os chefes de Governo das nações, que se alternam na liderança a cada 6 meses. A Hungria ficará até 31 de dezembro.
O serviço jurídico da União Europeia também se posicionou contrariamente ao encontro de Orbán e Putin, citando que a conversa entre ambos viola tratados do bloco europeu que impedem a construção de uma política externa sem objeções e com “espírito de lealdade e solidariedade mútua” entre os países.
De acordo com Janaina Cordeiro, a visita do primeiro-ministro a Moscou causou muito incômodo às autoridades europeias por causa do uso das imagens em propaganda russa.
Algumas das prioridades da Hungria na presidência do Conselho da União Europeia também entram em desavença com a ideia de líderes do bloco europeu. Em sua proposta, o país defende, por exemplo, que o bloco melhore o gerenciamento de crises internacionais.
“Os conflitos atuais e emergentes no continente e ao redor do mundo demonstram claramente que a Europa precisa melhorar significativamente suas capacidades defensivas, capacidade de resposta e de gerenciamento de crises internacionais”, afirma a proposta de mandato da Hungria.
Porém, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apesar de não negar as propostas da Hungria, contraria Viktor Orbán e diz que um cessar-fogo entre Kiev e Moscou “não impedirá Putin”, e que apenas a “unidade e determinação” entre os países levarão uma paz duradoura na Ucrânia.
Posicionamento da Hungria
Orbán é conhecido por ser um líder nacionalista e por constantemente adotar políticas de distanciamento da União Europeia, além de defender uma maior autonomia aos países integrantes.
Uma de suas reuniões mais discutidas foi com o presidente da China, Xi Jinping. A princípio, parecia incomum um líder de direita viajar a um país com um governo comunista, mas a principal intenção de Orbán foi colocar-se como um contrapeso ao Ocidente, algo que tem sido feito pelo governo chinês.
“Pode parecer do interesse chinês o enfraquecimento da União Europeia e isso é outra convergência com o pensamento de Orbán e das direitas eurocéticas de maneira mais ampla, profundamente alinhados com a defesa da nação, com a autonomia nacional em detrimento do bloco”, disse Cordeiro.
Segundo a especialista, as viagens, que ressaltam o teor nacionalista do primeiro-ministro, são uma manobra de Orbán para fortalecer sua posição interna frente aos desafios políticos que enfrenta.
Depois de 14 anos no poder, o partido União Cívica Húngara (direita), do qual Viktor Orbán faz parte, demonstra desgastes, marcados por denúncias de corrupção e uma oposição crescente. A sigla visto seu apoio diminuir.
A presidência rotativa do Conselho da UE apresenta-se como uma oportunidade para Orbán reafirmar seu prestígio tanto no cenário internacional quanto junto ao eleitorado interno. Essa posição oferece a Orbán uma plataforma para fortalecer sua imagem.
Turnê Diplomática
Cordeiro explica que o motivo por trás da “turnê diplomática” de Orbán é uma tentativa de fortalecimento da influência da Hungria na Europa Central.
Desde o início da guerra, a Hungria adotou uma atitude que diverge das posições da União Europeia e da Otan (Organização do Tratado Atlântico Norte), levando a um crescente isolamento dentro do bloco.
A 1ª viagem de Orbán desde que assumiu a presidência do Conselho se deu em 2 de julho, quando foi a Kiev, onde se encontrou com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
Na ocasião, Orbán propôs um cessar-fogo com data determinada para “acelerar” o fim do conflito com a Rússia. Também discutiu o relacionamento entre Budapeste e Kiev.
Depois de se reunir com Zelensky, Orbán viajou a Moscou, onde se encontrou com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em 5 de julho.
No compromisso, defendeu novamente o fim da guerra entre Moscou e Kiev. Os líderes também falaram sobre as relações diplomáticas bilaterais e a decadente relação do governo russo com o bloco europeu.
Durante a visita, Putin insinuou que Orbán estava representando não só a Hungria, mas também a União Europeia, uma declaração que foi prontamente negada pelas autoridades europeias.
A 3ª viagem do líder húngaro foi para realizar um encontro com o presidente da China, Xi Jinping, na 2ª feira (8.jul). Segundo Orbán, sua visita também teve o objetivo de conversar com Xi para promover a paz na Ucrânia.
A 4ª e mais recente viagem de Orbán foi para Washington D.C., capital dos Estados Unidos, onde foi realizada a cúpula de líderes dos países integrantes da Otan. Depois de participar do encontro, ele viajou para a Flórida, onde se reuniu com Donald Trump na residência do republicano em Mar-a-Lago.
Assista (44s):
Na União Europeia 6 países, incluindo Suécia, Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia, anunciaram boicote às reuniões governamentais organizadas pela Hungria em forma de protesto às viagens de Orbán.
Segundo a professora da UFF, o primeiro-ministro se destaca mundialmente em termos de lideranças da direita.
“Orbán é inteligente e sabe até onde pode esticar a corda sem a arrebentar. É o que ele vem fazendo. E, enquanto isso, esse tipo de posição rende dividendos entre o eleitorado da União Cívica Húngara e também entre as direitas radicais da Europa, que o consideram um homem corajoso que tem a audácia de desafiar Bruxelas”, afirmou Cordeiro.
Esta reportagem foi produzida pelos estagiários de jornalismo Ana Sanches Mião e José Luis Costa sob supervisão da redatora Jessica Cardoso e do editor-assistente Israel Medeiros.