A disputa entre Brasil e Paraguai para definir a tarifa cobrada pela energia produzida pela usina de Itaipu, administrada pela estatal Itaipu Binacional, pode provocar um aumento na conta de luz. Caso a proposta paraguaia prevaleça, o preço da energia dos brasileiros subiria 1,4%.
O cálculo foi feito a pedido do Poder360 pelo sócio-fundador do Cbie (Centro Brasileiro de Infraestrutura) Advisory, Bruno Pascon. Considera o peso de 3,5% de Itaipu na conta de luz do Brasil. A usina representa 9,8% de toda a energia elétrica produzida no país.
O Paraguai propôs aumentar a tarifa dos atuais US$ 16,71 por kW/mês para US$ 20,75, ou seja, um reajuste de 24%. A taxa, chamada de Cuse (Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade), é definida todos os anos, em acordo entre os países. É cobrada em dólar, num cálculo que considera, dentre outros pontos, as despesas operacionais da usina.
O presidente do Paraguai, Santiago Peña, veio a Brasília em 15 de janeiro para uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cuja pauta foi a negociação da tarifa da usina de Itaipu. Na ocasião, Lula reconheceu haver divergências entre os 2 países sobre o tema.
O lado brasileiro se nega a dar qualquer aumento. O governo federal fez uma contraproposta, mas para reduzir a tarifa paga pela energia da hidrelétrica em 11,6%, indo para US$ 14,77. Segundo os cálculos do Cbie, a proposta, se aprovada, reduziria a conta de luz em 0,7%.
O Poder360 apurou que o debate está longe de um consenso e não há expectativa de quanto tempo pode durar a negociação. Embora o desejo de Lula e do governo seja de reduzir a tarifa para baixar a conta de luz no país, diante da pressão paraguaia, a tendência é que o Brasil aceite um acordo para manter a taxa atual.
Do lado paraguaio, Peña, que assumiu a presidência em agosto de 2023, quer aumentar a arrecadação federal vinda da usina para ajudar a financiar obras no país que foram prometidas em campanha.
Já o governo brasileiro tem ponderado 2 pontos. Em 1º lugar, Lula tem batido no custo da energia elétrica para os consumidores regulados, que são aqueles atendidos pelas distribuidoras locais. Um eventual aumento em Itaipu pioraria a situação, visto que esse contrato só é pago por esses consumidores.
Em 2º lugar, o governo brasileiro entende não haver razão para aumentar a tarifa, uma vez que o custo de operação de Itaipu não subiu e que a dívida feita para construir a usina terminou de ser paga. Por isso, na verdade, haveria espaço para reduzir a taxa.
Bruno Pascon explica que a proposta do Brasil é estritamente técnica. “Quando Itaipu foi construída, foi no modelo de fluxo de caixa para pagar a dívida. Quando a dívida terminou de ser paga, todo o componente que ela usava para pagar a dívida deveria zerar. Então Itaipu deveria receber apenas pelo custo de operação e um a mais. Esse número de US$ 14,77 é zero político”.
Reuniões com negociadores dos 2 países sobre a tarifa têm sido feitas quase semanalmente. Do lado brasileiro, estavam os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Mauro Vieira (Relações Exteriores) participam ativamente das tratativas e já avisaram ao Paraguai que nenhum aumento será aceito.
ENTENDA O IMPASSE
A geração de energia da usina de Itaipu é dividida: 50% para cada país. Historicamente, porém, o Paraguai usa cerca de 17%. A sobra é vendida ao Brasil pelo valor do Cuse. Assim, além de pagar à usina a taxa referente a sua metade, o governo brasileiro injeta recursos no caixa paraguaio com a compra do excedente.
A previsão consta no chamado anexo C do Tratado de Itaipu, assinado entre Brasil e Paraguai em 1973, quando as duas nações firmaram uma sociedade binacional para a construção da usina. Em fevereiro de 2023, a empresa quitou as últimas parcelas da dívida contraída há 50 anos para erguer o empreendimento.
Com o fim da dívida, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou a manutenção do valor do Cuse em US$ 16,71/kW para 2024, que vale até a definição final. O Cuse compõe 94,61% do preço de repasse da hidrelétrica, sendo que o restante era formado majoritariamente pelos pagamentos da dívida.
A taxa para este ano, no entanto, segue sem uma resposta final. O mesmo dilema foi enfrentado em 2022 e 2023, mas em proporções menores. A diferença é que desta vez o Paraguai vinha se recusando a assinar o documento responsável por permitir que a usina funcione provisoriamente enquanto as partes chegam a um consenso.
Diante do impedimento, o orçamento da estatal binacional para 2024 ficou bloqueado, o que só foi resolvido na última semana. Por causa disso, tanto o Brasil quanto o Paraguai estavam impedidos de pagar seus fornecedores, até mesmo os funcionários.
Sem o orçamento final para 2024, que depende da fixação da tarifa, os planos de investimentos da estatal também ficam em stand-by. É o caso da possibilidade de patrocínio à COP30, a Conferência do Clima da ONU (Organização das Nações Unidas). Como mostrou o Poder360, o governo Lula espera R$ 1 bilhão da usina para o evento, que será em Belém (PA), em 2025.