Os governos do Brasil e do Paraguai estão negociando novas regras para a usina de Itaipu, administrada pela estatal Itaipu Binacional e localizada na divisa entre os dois países, em Foz do Iguaçu (PR). As discussões passam pela definição da tarifa que será cobrada pela energia gerada em 2024, e pela revisão do chamado anexo C do tratado de construção da hidrelétrica.
A fixação da tarifa é o ponto mais urgente. A taxa, chamada de Cuse (Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade), é definida todos os anos, em acordo entre Brasil e Paraguai. É cobrada em dólar pela energia gerada, num cálculo que considera, dentre outros pontos, as despesas operacionais da usina e parcelas das dívidas contraídas para construção da barragem.
O presidente do Paraguai, Santiago Peña, veio a Brasília em 15 de janeiro para uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cuja pauta foi a negociação da tarifa da usina de Itaipu. O país quer aumentar a taxa dos atuais US$ 16,71 por kW/mês para US$ 20,75, ou seja, um reajuste de 24%.
Na ocasião, Lula reconheceu que há divergências entre os 2 países sobre o tema. O lado brasileiro se nega a dar qualquer aumento. O governo federal fez uma contraproposta, mas para reduzir a tarifa paga pela energia da hidrelétrica em 11,6%, indo para US$ 14,77.
Reuniões com negociadores dos 2 países sobre a tarifa têm sido feitas quase semanalmente. Do lado brasileiro, os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Mauro Vieira (Relações Exteriores) participam ativamente das tratativas e já avisaram ao Paraguai que nenhum aumento será aceito.
O Poder360 apurou que o debate está longe de um consenso e não há prazo para o fim da negociação. Embora o desejo de Lula e do governo seja de reduzir a tarifa para baixar a conta de luz no país, diante da pressão paraguaia a tendência é que o Brasil aceite um acordo para manter a taxa atual.
Do lado paraguaio, Peña, que assumiu a presidência em agosto de 2023, quer aumentar a arrecadação federal vinda da usina para ajudar a financiar obras no país que foram prometidas em campanha.
Já o governo brasileiro tem ponderado 2 pontos. Em 1º lugar, Lula tem batido no custo da energia elétrica para os consumidores regulados, que são aqueles atendidos pelas distribuidoras locais. Um eventual aumento em Itaipu pioraria a situação, visto que esse contrato só é pago por esses consumidores.
Segundo cálculos feitos pelo sócio-fundador do Cbie (Centro Brasileiro de Infraestrutura) Advisory, Bruno Pascon, a proposta do Paraguai levaria a um aumento da conta de luz dos brasileiros em 1,4%. Já a oferta do governo Lula levaria a uma queda geral nos preços de 0,7%.
Em 2º lugar, o governo brasileiro entende que não há razão para aumentar a tarifa, uma vez que o custo de operação de Itaipu não subiu e que a dívida feita para construir a usina já foi paga. Por isso, na verdade, haveria espaço para reduzir a taxa.
A geração de energia da usina de Itaipu é dividida: 50% para cada país. Historicamente, porém, o Paraguai usa cerca de 17%. A sobra é vendida ao Brasil pelo valor do Cuse. Assim, além de pagar à usina a taxa referente à sua metade, o governo brasileiro injeta recursos no caixa paraguaio com a compra do excedente.
A previsão consta no chamado anexo C do Tratado de Itaipu, assinado entre Brasil e Paraguai em 1973, quando as duas nações firmaram uma sociedade binacional para a construção da usina. Em fevereiro de 2023, a empresa quitou as últimas parcelas da dívida contraída há 50 anos para erguer o empreendimento.
Com o fim da dívida, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou a manutenção do valor do Cuse em US$ 16,71/kW para 2024, que vale até a definição final. O Cuse compõe 94,61% do preço de repasse da hidrelétrica, sendo que o restante era formado majoritariamente pelos pagamentos da dívida.
A taxa para este ano, no entanto, segue sem uma resposta final. O mesmo dilema foi enfrentado em 2022 e 2023, mas em proporções menores. A diferença é que desta vez o Paraguai vinha se recusando a assinar o documento responsável por permitir que a usina funcione provisoriamente enquanto as partes chegam a um consenso.
Diante do impedimento, o orçamento da estatal binacional para 2024 ficou bloqueado, o que só foi resolvido na última semana. Por causa disso, tanto o Brasil como o Paraguai estavam impedidos de pagar seus fornecedores, até mesmo os funcionários.
Sem o orçamento final para 2024, que depende da fixação da tarifa, os planos de investimento da estatal também ficam em stand-by. É o caso da possibilidade de patrocínio à COP30, a Conferência do Clima da ONU (Organização das Nações Unidas). Como mostrou o Poder360, o governo Lula espera R$ 1 bilhão da usina para o evento, que será em Belém (PA), em 2025.
O anexo C
A discussão entre Brasil e Paraguai, no entanto, vai além da fixação das tarifas para 2024. Os países também precisam redefinir os termos do anexo C do Tratado de Itaipu, que estabelece as bases financeiras do acordo.
Trata-se de uma discussão menos urgente, que o Brasil defende que só seja feita após a definição da tarifa de 2024. O Paraguai, por outro lado, quer que ambas as decisões sejam tomadas ao mesmo tempo.
O anexo C foi assinado em 26 de abril de 1973 e tinha validade de 50 anos, tendo expirado no ano passado. Dentre os pontos que eram definidos pelo documento e que precisam ser revistos, está a metodologia de cálculo do Cuse. Eis as íntegras do anexo C (PDF – 88 kB) e o seu regulamento (PDF – 235 kB).
Pelas regras do anexo, o cálculo deveria ser feito considerando:
- As potências anuais a serem contratadas;
- A energia a ser gerada a cada ano;
- Os montantes anuais correspondentes aos rendimentos de capital (lucro), aos “royalties” e ao ressarcimento dos encargos de administração e supervisão;
- Os montantes anuais do serviço da dívida de Itaipu;
- O serviço da dívida decorrente dos investimentos remanescentes, em cada ano;
- As despesas anuais de exploração;
- O saldo da conta de exploração do exercício anterior.
Os documentos especificam a forma de cálculo do fator de reajuste de cada um dos itens acima. Os chamados “royalties” são compensações financeiras que os governos brasileiro e paraguaio recebem pela utilização do potencial hidráulico do Rio Paraná para a produção de energia.
O anexo C também inclui as condições de suprimento, como a regra de que o Paraguai é proibido de vender o excedente energético para outros países, sendo obrigado a repassá-lo ao Brasil a preço de custo. Isso porque o Paraguai entrou em dívida com o Brasil no processo de construção da usina.
“A energia produzida pelo aproveitamento hidrelétrico será dividida em partes iguais entre os dois países sendo reconhecido a cada um dos mesmos o direito de aquisição da energia que não seja utilizada pelo outro país para seu próprio consumo”, diz trecho do regulamento do anexo C.
No ano passado, Santiago Peña chegou a afirmar que não pretendia retirar a cláusula de exclusividade de venda do excedente, o que já chegou a ser considerado pelo país no passado.
No entanto, caso o governo brasileiro se mantenha irredutível de rever os valores, os paraguaios podem acabar optando pelo fim da obrigação em busca de um país que pague mais pela sua energia.