Leia despacho do TCU sobre prejuízo de R$ 500 mi na Petrobras

O ministro Benjamin Zymler, do TCU (Tribunal de Contas da União), cobrou explicações da Petrobras sobre um contrato firmado com a Unigel que pode resultar em um prejuízo de quase R$ 500 milhões para a estatal. A decisão se deu depois da área técnica da Corte apontar “indícios de irregularidades” no acordo. Eis a íntegra do despacho (PDF – 219 kB).

O contrato tem valor total de R$ 759,2 milhões e vale para as unidades de Camaçari (BA) e Laranjeiras (SE). O acordo de tolling (industrialização por encomenda), assinado em 29 de dezembro de 2023, garantiu a retomada das atividades das fábricas de fertilizantes da petroleira que estão arrendadas (alugadas) para a empresa.

A decisão foi expedida na última 4ª feira (31.jan.2024) determinando a manifestação da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia em até 5 dias. Análise técnica da Corte de Contas indicou que o contrato pode causar um prejuízo de R$ 487 milhões ao caixa da petroleira por assumir uma operação deficitária.

Dentre as possíveis irregularidades, a área técnica do TCU elencou falhas nas justificativas para a realização do negócio, falta de assinatura de instâncias superiores da companhia no contrato e o fato da Petrobras assumir os riscos do negócio em cenário de mercado desfavorável.

Zymler afirmou que ao manter o contrato de arrendamento ao mesmo tempo que contrata a Unigel de forma terceirizada para operar a fábrica, a Petrobras “passa a fornecer o gás e receber fertilizante, tornando-se responsável por sua comercialização, assumindo o ônus de uma operação deficitária de quase meio bilhão de reais em um período de 8 meses”, diz na decisão.

O despacho cita que a análise de riscos da própria estatal sobre o contrato “teria apontado que sua celebração acarretaria um prejuízo esperado de R$ 487,1 milhões, ao passo que as demais alternativas consideradas, de (i) retomada de ambas as plantas pela Petrobras e (ii) não realização do tolling e não retomada das plantas pela estatal Petrobras, acarretariam prejuízos ainda maiores, de R$ 1,23 bilhão e R$ 542,8 milhões, respectivamente”.

No entanto, Zymler afirmou que a comparação seria imprópria, pois, “em razão do tolling ser economicamente inviável e apresentar prejuízos operacionais mensais, quanto maior o tempo do contrato, maior o prejuízo auferido pela Petrobras, sendo o inverso verdadeiro. Por outro lado, as demais alternativas aventadas, apesar de suas premissas terem sido duramente questionadas pela unidade técnica, não sofrem impactos relevantes com o prazo, pois seriam soluções definitivas”.

Copyright

Quadro mostra o VPL (valor presente líquido) do prejuízo da Petrobras com as plantas, com os valores esperados pelo acordo de tolling e nas hipóteses da estatal reassumir as fábricas ou não fazer nada. Em destaque, a metodologia que considera a utilização das unidades de 2000 a 2023

No despacho, o ministro afirmou que a inviabilidade econômica da contratação “parece ser indiscutível” uma vez que a própria Unigel, no 2º semestre de 2023, decidiu suspender as atividades das plantas arrendadas alegando a inviabilidade econômica da operação, mesmo havendo contratos de gás natural de ship or pay (modelo de garantia de fornecimento com pagamento mensal) firmados com a Petrobras e a Shell.

O ministro, seguindo o parecer técnico, entendeu que o contrato afronta aos princípios da eficiência, da economicidade e da razoabilidade por ser uma solução provisória diante de outras possibilidades perenes. Lembrou ainda que ao final dos 8 meses a estatal terá que novamente reavaliar a questão, “tendo que escolher entre prolongar indefinidamente o contrato de tolling, o que poderia ocasionar prejuízos ainda maiores do que qualquer outra solução definitiva”.

A auditoria técnica recomendou a suspensão da eficácia do contrato, o que ainda será analisado pelo TCU após a manifestação das partes. Zymler optou por ouvir as empresas e o governo previamente, requerendo inclusive que sejam informados os valores já pagos.

ENTENDA O CASO E O QUE É TOLLING

A Petrobras arrendou as Fafens da Bahia e de Sergipe para a Proquigel, subsidiária da Unigel, em 2019, no governo Jair Bolsonaro (PL). O contrato tem duração de 10 anos. No entanto, a empresa a paralisou as 2 fábricas de fertilizantes em 2023 pela falta de lucratividade.

A companhia é a 2ª maior petroquímica do Brasil, mas vem enfrentando dificuldades financeiras. De janeiro a setembro de 2023, o grupo acumulou um prejuízo de R$ 1,05 bilhão. No mesmo período de 2022, a empresa tinha registrado lucro de R$ 491 milhões.

A gestão de Jean Paul Prates negociou uma forma de retomar a produção, uma vez que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vinha cobrando ações da estatal no setor de fertilizantes. O arranjo encontrado para o curto prazo foi o tolling, assinado no final de 2023 e com vigência de 8 meses.

Pelo acordo de tolling, a Unigel seguirá na operação das duas fábricas, que terão o gás natural fornecido pela Petrobras. A produção final também será comercializada para a estatal. É como se a empresa fosse operar a fábrica para a petroleira de forma terceirizada.

As fábricas entraram em operação em 2013 e juntas têm capacidade instalada suficiente para atender 14% da demanda nacional de ureia. Ambas apresentaram resultado deficitário de 2013 a 2017. Foram paralisadas em 2018 e só retomadas com o arrendamento à Unigel.

O QUE DIZ A PETROBRAS

Em resposta ao Poder360, a Petrobras afirmou que o contrato com a Unigel assinado em dezembro foi precedido de entendimentos iniciados em junho de 2022 e consiste em “medida alinhada com o Plano Estratégico 2024-2028 da companhia quanto ao retorno à produção e comercialização de fertilizantes”.

A estatal disse que prestará todos os esclarecimentos e justificativas técnicas ao TCU dentro do prazo e que “todos os contratos e projetos são elaborados e executados seguindo todos os padrões e requisitos de governança, hierarquia decisória e responsabilidade operacional da companhia”.

A Petrobras afirmou que a “contratação junto à Unigel do serviço de processamento do gás da Petrobras como matéria-prima e a entrega/comercialização dos fertilizantes para a contratante, na forma de contrato de serviço, não representa um empreendimento definitivo e autônomo”.

A estatal destacou que a medida tem caráter provisório e que permite a continuidade da operação das plantas localizadas em Sergipe e Bahia por 8 meses, “enquanto as contratantes se engajam na 1ª fase rumo a uma solução definitiva, rentável e viável para o suprimento desses produtos ao mercado brasileiro”.

A empresa justificou a necessidade de abastecimento do mercado nacional de fertilizantes e que por isso reposicionou suas operações do segmento no novo Plano Estratégico.

“As estratégias de negócio da Petrobras asseguram que nossos recursos sejam empregados no tempo e nos ativos apropriadamente avaliados, de modo a garantir maior retorno ao capital investido, de forma segura e sustentável“, encerra a nota da companhia.

A reportagem do Poder360 também procurou a Unigel para comentar a decisão, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.