O relatório do projeto de lei 4.516 de 2023, conhecido como “Combustível do Futuro”, criou insatisfação de empresas do setor de petróleo e gás natural, desagradando inclusive a Petrobras. O parecer com as alterações, apresentado pelo deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) na 2ª feira (26.fev.2024), também não tem consenso no governo –o que provocou o adiamento da votação, inicialmente prevista para esta semana, para março.
O substitutivo vai além da proposta formulada pelo Ministério de Minas e Energia para criar um novo marco regulatório dos biocombustíveis. Dentre os principais pontos, o relatório amplia a adição de etanol anidro na gasolina além do percentual enviado pelo governo, inclui a mistura de biometano no gás natural e estipula uma elevação anual do teor de biodiesel no óleo diesel.
O Poder360 apurou que a Petrobras tem mostrado contrariedade com as mudanças. Um dos principais pontos é que a estatal queria que entrasse no mandato do biodiesel o coprocessamento de conteúdo renovável que vem sendo feito em refinarias da empresa, também chamado de diesel renovável ou diesel verde.
Trata-se de uma adição que vem sendo feita voluntariamente pela Petrobras no diesel de matérias-primas de origem vegetal, como óleo de soja. Esse conteúdo renovável é processado conjuntamente com o derivado de petróleo. No relatório, porém, o mandato do diesel verde seria separado do biodiesel, e de no máximo 3%.
Nesta 4ª feira (28.fev.2024), o IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), principal representante nacional do setor de petróleo e combustíveis e que tem a Petrobras como principal integrante, divulgou nota afirmando ver com ressalvas e preocupação o substitutivo. O posicionamento diz que o relator, apesar de respeitar o texto original, “inclui pontos não abordados anteriormente e, consequentemente, não amplamente debatidos com a sociedade”.
O setor defende que o mandato de 20% de biocombustível no diesel até 2030 vá além do biodiesel tradicional, conhecido como biodiesel éster, e também inclua outros produtos e tecnologias para avanço da mistura de combustível renovável sem a necessidade de adequação de motores.
De acordo com o presidente do IBP, Roberto Ardenghy, existem 37 maneiras de se fazer biodiesel catalogadas e por isso o incentivo deveria ser para todas as tecnologias, e não apenas para 1 tipo. Ele cita o diesel verde que já vem sendo feito pela Petrobras e em outras companhias pelo mundo.
“O projeto não deve fixar uma corrente tecnológica, mas permitir todos os tipos de biodiesel, desde que certificados pela ANP. Não tem apenas uma maneira de produzir biodiesel. Porque separar o mandato do diesel verde do biodiesel? É tudo biodiesel. Por que não deixar as correntes tecnológicas disputarem o mercado e estimular a competição para baixar o custo?”, questiona Ardenghy.
O setor questiona ainda a falta de exigência no relatório de comprovação de viabilidade técnica para aumentar o teor de biodiesel, a retirada de poderes do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) na fixação dos percentuais anuais e a mistura obrigatória de biometano no gás natural.
O IBP diz que o texto impõe corretamente a necessidade de comprovar a viabilidade técnica para elevação do percentual de etanol na gasolina para 35%, mas falha ao não fazer a mesma previsão para a elevação de biodiesel para 20% até 2030, ou 25% após 2031. “Consideramos fundamental que os produtos tenham isonomia de tratamento e a certificação de viabilidade técnica”, diz o comunicado.
Ardenghy diz que os testes existentes atualmente aprovam o teor do biodiesel éster até 15% e mostram que alguns motores teriam dificuldade de processar o diesel com teores acima de 15% de biodiesel.
BIOMETANO
O relatório estabelece que será criado o Programa Nacional de Biometano, obtido a partir da purificação do biogás (produzido pelo processo de decomposição de matéria orgânica) e tem composição similar à do gás natural. Atualmente existem 20 plantas de biometano no país, sendo que só 6 comercializam o gás. Mas o setor projeta crescimento de 600% da produção até 2029.
Pelo texto, o mandato de biometano no gás natural comercializado, que começará em 1% em 2026 e chegará a 10% em 2030. Isso caberá aos produtores de gás natural, que deverão obrigatoriamente comprar o biometano ou certificados de origem para estimular o gás renovável.
“Nós apoiamos colocar o biometano na matriz brasileira, isso é necessário. Mas colocar um produtor de gás para comprar e misturar não é a melhor maneira. Tem outras maneiras de pensar essa inserção de maneira mais econômica”, diz Ardendhy, que pondera a questão logística deve ser considerada.
Segundo o Fórum do Gás, que reúne associações empresariais atuantes no mercado de gás, a mistura obrigatória de biometano custará R$ 570 milhões por ano aos consumidores. As entidades divulgaram nota conjunta na 3ª feira (27.fev) afirmando que a pode não surtir os efeitos almejados e aumentar o custo para toda a cadeia, prejudicando o mercado consumidor de gás natural.
As associações afirmam que “a determinação legal de aquisição obrigatória de biometano sem um robusto estudo prévio pode postergar a trajetória da indústria em busca de uma matriz energética mais limpa, devido às incertezas envolvidas no processo de aquisição previsto no referido projeto”.
GOVERNO QUESTIONA REGRA DO BIODIESEL
Um dos pontos questionados pelo setor de petróleo também é apoiado por algumas alas do governo: o de que o projeto tiraria o poder de decisão do CNPE. Na proposta original, era expresso que a mistura do biodiesel chegaria a 20% até 2030, mas a fixação do percentual a cada ano para atingir a meta caberia ao Conselho.
Pelo substitutivo do relator, seria fixado pela lei o percentual anual, que começaria em 15% em 2025 e aumentaria 1 ponto percentual por ano, até chegar aos 20% em 2030. Jardim inclui no texto que o CNPE no máximo poderá ajustar o percentual de mistura em até 2 pontos percentuais para mais ou para menos de acordo com o cenário.
Segundo o IBP, essa imposição preocupa. O instituto defende que devem ser preservados os poderes do CNPE para decisões sobre o percentual das misturas, uma vez que o colegiado “tem uma visão holística do mercado para definir a política energética” e que é preciso ter uma flexibilidade para segurança do abastecimento nacional.
Setores do governo, em especial o Ministério de Minas e Energia, vê a imposição do percentual anual em lei como uma perda de poder. O entendimento é que o cenário do mercado pode mudar muito no prazo, o que demandaria ajustes.
Nesta 4ª, o presidente da FPBio (Frente Parlamentar Mista do Biodiesel), deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), se reuniu com o ministro Carlos Fávaro (Agricultura) para tratar do tema e defendeu que a fixação dos percentuais anuais em lei é importante para dar previsibilidade ao setor.
“A gente não está colocando qualquer regra para tirar poder de quem quer que seja. A gente na verdade quer gerar segurança jurídica e previsibilidade. Porque esses investimentos industriais terão que crescer. Se eu tenho uma capacidade instalada que atende até 18% e estamos propondo que vá para 20%, isso precisa ser previsível para mobilizar e fazer esse investimento”, disse o deputado.
Fávaro tem manifestado concordância de que os produtores de biodiesel precisam ter uma previsão certeira de aumento da mistura a cada ano e se comprometeu em discutir o tema com o governo. O grande temor do setor é que ocorra novamente o que houve na gestão de Jair Bolsonaro (PL), quando a mistura caiu para 10% e a ociosidade das plantas ultrapassou 50%. Uma das ideias é estipular no projeto um piso mínimo de 15%.
Além do ministro, o projeto tem apoio integral de congressistas e entidades ligadas ao agronegócio. Nesta 4ª, um manifesto assinado por 27 associações se posicionou favorável ao texto. Dentre elas a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), a Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene) e Abiogás (Associação Brasileira do Biogás). Eis a íntegra do manifesto (PDF – 1 MB).
O documento diz que o projeto “representa um marco significativo na busca por soluções energéticas mais sustentáveis e diversificadas, alinhadas com os desafios contemporâneos e as demandas por uma matriz energética mais limpa e eficiente” e que ele impulsionará a capacidade do Brasil de “liderar a transição energética lastreada em fontes de energia renovável e de baixo impacto ambiental”.