Enquanto empresas de transporte e trabalhadores encontram dificuldades para negociar propostas de regulamentação dos motoristas de aplicativo, o Ministério do Trabalho atrasa a entrega do projeto que regulamenta o setor e que deveria ter sido encaminhado ao Congresso até o final de janeiro. O principal ponto de discordância entre as partes é o estabelecimento de um vínculo empregatício.
O Poder360 teve acesso ao posicionamento da Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia). A associação defende que os motoristas recebam no mínimo R$ 30 por hora trabalhada e acesso à Previdência Social com integração custeada principalmente pelas empresas. Eis a íntegra (PDF – 81 kB).
Se for aceito, as empresas pagarão 20% do que for destinado à Previdência Social sobre a mesma base de cálculos dos motoristas, que também arcarão, mensalmente, com 7,5%. A associação que representa os trabalhadores, no entanto, diz que isso comprometeria 25% dos ganhos mensais.
Os motoristas concordaram com as empresas e, até o final de dezembro, as negociações avançavam, com a real possibilidade de algo ser entregue no 1º mês do ano. Entretanto, o cenário mudou na reunião realizada em 8 de janeiro, quando houve o encontro entre os motoristas e o ministério sem a participação das companhias.
Na ocasião, o ministério disse estar construindo um projeto de lei para ser enviado ao Congresso e pediu que os motoristas realizassem reunião bilateral com as empresas para fechar os pontos finais, o que não aconteceu. O PL foi apresentado em 15 de janeiro, quando a reunião do grupo tripartite (motoristas, empresa e governo) foi realizada. Não passou do 5º artigo.
O texto apresentando mencionava que o motorista deveria se enquadrar na categoria autônoma, tema que não foi abordado no começo das negociações. Também não apresentava nada sobre os gastos com manutenção do carro ou gasolina.
O secretário-executivo Chico Macena e o secretário nacional de Economia Popular e Solidária, Gilberto Carvalho, representaram o governo no encontro, a Amobitec foi a representante das empresas e os presidentes das frentes sindicais de Rio de Janeiro, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e Pará representaram os trabalhadores.
O QUE DIZEM OS MOTORISTAS
Euclides Magno, presidente do Sindtapp (Sindicato de Motoristas de Aplicativo do Estado do Pará) e representante da força sindical no grupo de trabalho criado pelo presidente Lula (PT) para regulamentar a profissão, disse ao Poder360 que houve muitas divergências no projeto apresentado em comparação ao que estava sendo discutido no começo das negociações.
“O governo pediu para que fosse realizada uma reunião bilateral com as empresas para discutir o que faltava, mas não recebemos nenhum documento referente ao projeto para que pudéssemos analisar”, disse.
Euclides explica que o maior contraponto enfrentado é na relação estabelecida entre o motorista e o aplicativo. Ao mesmo tempo em que a empresa diz estar consolidada pelas normas estabelecidas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), quer que os condutores se reconheçam como profissionais autônomos.
“É uma situação meio vergonhosa, porque nós vamos ao ministério sabendo que nada será decidido, falta participação do governo”, disse. Apesar de ter concordado com o ministério em dezembro sobre a possibilidade de o projeto ser entregue até a data citada, declarou que “hoje não existe a menor chance”.
O QUE DIZEM AS EMPRESAS
Ao Poder360, um porta-voz da Uber disse que a empresa toma o posicionamento da Amobitec e não acredita em vínculo empregatício, como o STF definiu, em 5 de dezembro de 2023. Ressalta ainda que os trabalhadores têm liberdade para decidir em quais dias e horários preferem dirigir.
“Quem concentra a atividade no aplicativo em dias e horários de maior movimento tem maior probabilidade de realizar mais viagens e, consequentemente, ter mais ganhos”, afirmou a empresa.
Os motoristas contam com um seguro em todas as viagens, que inclui despesas médicas, hospitalares e odontológicas (R$ 15.000), invalidez permanente ou parcial por acidente (R$ 100 mil) e morte acidental (R$ 100 mil). Em parceria com o Posto Ipiranga, a empresa concede ainda 10% de cashback em todos os abastecimentos.
A 99pop também utiliza o programa “Adicional Variável de Combustível”. A empresa explicou ao Poder360 que a ideia é compensar o motorista sobre os ganhos do combustível quando ele aumenta de preço. Assim como o “Kit Gás”, que disponibiliza descontos nas compras e aluguel de carros. O valor dos descontos não foi mencionado.
COMO OS MOTORISTAS LUCRAM
A Uber explica que as taxas de repasse ao motorista não são fixas e podem variar ao longo dos meses. Questionada sobre a porcentagem de repasse, disse que a média percentual global no 3º trimestre de 2023 foi de 21%.
A Uber registrou um lucro líquido de US$ 394 milhões no 2º trimestre de 2023.
Fatores que influenciam no preço final ao consumidor, como pontos de alta demanda, agentes climáticos, tempo de viagem e modelo do carro, não alteram a porcentagem que o motorista precisa repassar a empresa. O valor final retirado das corridas é apresentando no fim do mês.
“A taxa mínima estabelecida pela Uber é de 25%, mas nunca cobram a taxa mínima”, disse Euclides. O valor, em média, é de 30% e pode chegar a até 60%. Outros 25 motoristas entrevistados confirmaram a porcentagem em um período de 1 mês -de dezembro de 2023 a janeiro de 2014.
A 99pop diz que trabalha com uma taxa máxima semanal de 19,99% e que considera os fatores de influência na hora do repasse ao motorista, mas não detalhou números.
Euclides e motoristas entrevistados dizem que a 99pop tem um sistema parecido com o da Uber, mas utiliza uma taxa com um percentual “minimamente mais baixa”.
O Poder360 entrou em contato com o Ministério do Trabalho, com o ministro Luiz Marinho e com o secretário-executivo do Trabalho Chico Maceno para entender a posição do órgão sobre o tema e a necessidade de um novo posicionamento referente às negociações, mas não obteve retorno. O espaço permanece aberto para futuras manifestações.
Esta reportagem foi produzida pela estagiária de jornalismo Yasmin Isbert sob a supervisão do editor Matheus Collaço.